Recentemente, num tom exaltado que denuncia descontrole, o presidente da República acusou a "elite brasileira" de querer atingi-lo com as denúncias de corrupção que se avolumam contra membros de seu governo e de seu partido.
Depois de enumerar realizações de sua gestão, Lula disse que "está para nascer" quem possa discutir ética com ele e avisou: "Não vai ser a elite brasileira que vai me fazer abaixar a cabeça." Ao sublinhar seu perfil "ético", Lula afirmou: "Neste país de 180 milhões de brasileiros, pode ter igual, mas não tem nem mulher nem homem que tenha coragem de me dar lição de ética, de moral e de honestidade." Ao contrário de polêmico desabafo anterior, o presidente admitiu que pode até existir algum brasileiro tão ético quanto ele. Menos mal.
Com suas declarações, o presidente da República assumiu a tese conspiratória. Tal teoria, lançada pelo ex-ministro José Dirceu, tem inspirações nitidamente venezuelanas. Ela já vinha sendo elaborada há algum tempo nos laboratórios petistas. Documento divulgado em junho por 43 movimentos sociais, como a CUT e o MST, afirmava: "As elites iniciaram, através dos meios de comunicação, uma campanha para desmoralizar o governo." Trata-se, caro leitor, de um lance previsível no tabuleiro da crise. Com o governo paralisado e os indícios de corrupção batendo às portas do Palácio do Planalto, o recurso à teoria da conspiração das elites é só o primeiro passo. O segundo, na expressão de Dirceu, será a tentativa de mobilizar os movimentos sociais contra as "forças políticas, sociais e conservadoras da direita." E o presidente, solitário e aparentemente privado de bons conselheiros, está embarcando na aventura.
O argumento petista é infundado e injusto. Não resiste a dois segundos de análise séria. Como salientou Merval Pereira, colunista do jornal O Globo, se há uma conspiração elitista em movimento nos bastidores, ela visa, ao contrário, a preservar o presidente da crise que ameaça tragá-lo. "Não interessa às elites, nem políticas nem econômicas, interromper o mandato do presidente Lula, se não por uma visão histórica, quanto mais não for por mero egoísmo. As elites econômicas, felizes com as políticas adotadas até o momento pela equipe do ministro Palocci, querem tudo, menos o fantasma do vice-presidente José Alencar a atormentar-lhes com a possibilidade de experimentar na prática, com a caneta do presidente da República, a tese de que a taxa de juros pode baixar drasticamente sem afetar em nada o equilíbrio das contas públicas, nem assanhar o adormecido dragão da inflação."
Todos nós, que compartilhamos responsabilidades no nosso sofrido Brasil, não nos alegramos com o crescente aumento da temperatura política e, muito menos, com a possibilidade da irrupção de uma grave crise institucional. A economia, lamentavelmente, já começa a ser contaminada pela crise. Todos, de um modo ou de outro, querem preservar o presidente. Mas é preciso que Lula caia em si, abandone o discurso autista e tenha a coragem de assumir sua não pequena parcela de responsabilidade no desastre. O presidente da República, construtor de uma história pessoal fascinante, está numa encruzilhada. Pode pedir desculpas à Nação, renunciar a um novo mandato (sua credibilidade está gravemente comprometida e a queda da popularidade é só uma questão de tempo) e preservar o que resta de sua biografia. Mas pode também agarrar-se às sobras do poder. As conseqüências dessa opção, no entanto, serão dramáticas. Para ele. E para o Brasil.
O que está acontecendo, talvez em proporções inimagináveis, é o resultado final de um silogismo com premissas ideológicas bem concretas. O PT, que sempre agitou a bandeira da ética, na verdade cresceu sob a sombra da práxis de inspiração marxista, isto é, o que importa é o poder a qualquer preço. O fim justifica os meios. A ética é uma bandeira de marketing, mas não é o fundamento da ação. Daí a boa convivência com os inimigos do passado. Daí o vale-tudo em nome de um projeto de permanência no poder. Por isso hoje encarnam o que sempre criticaram. O pragmatismo manietou a consciência.
A imprensa brasileira, sem as mordaças que alguns defenderam e livre de quaisquer tentativas de cooptação, tem um papel decisivo no processo de purificação dos nossos costumes políticos. Não somos antinada. Causam-nos profunda repugnância quaisquer tentativas de engajamentos partidários. Nosso compromisso é com a verdade e com a liberdade. Nosso cliente não é o poder. É você, caro leitor e cidadão. A democracia brasileira é sólida. Ela tem os antídotos suficientes para combater o veneno e devolver aos brasileiros, sobretudo aos jovens, a alegria da esperança.
Carlos Alberto Di Franco é diretor do Master em Jornalismo, professor de Ética da Comunicação e representante da Faculdade de Comunicação da Universidade de Navarra no Brasil, e diretor da Di Franco Consultoria em Estratégia de Mídia Ltda. difranco@ceu.org.br
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