Não é proibido proibir. No entanto, há proibições que são suavizadas em vista de um objetivo alheio ao bem comum. É o caso de um crime inventado no Brasil: a pichação. Para alguns, um fenômeno distinto das expressões gráficas que acontecem mundo afora, chamadas de grafite.

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A distinção entre pichação e grafite aparece em lei sancionada pela presidente Dilma em 2011. De fato, essa lei suaviza e altera lei anterior, de 1998, e prevê pena de três meses a um ano para quem "pichar ou por outro meio conspurcar edificação ou monumento urbano". E descriminaliza, em parágrafo distinto, o ato de grafitar nos seguintes termos: "Não constitui crime a prática de grafite realizada com o objetivo de valorizar o patrimônio público ou privado mediante manifestação artística, desde que consentida..." O texto da lei continua expondo aqueles que devem dar o consentimento para tal manifestação: proprietários, órgãos públicos etc.

O que chamamos de pichação teve origem em São Paulo, embora o grafite tenha história que remonta à Antiguidade. Foi paradoxalmente a partir do século 20, com o advento da mídia moderna, que esse meio de protesto ganhou força e até certo respaldo social.

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Há razões históricas para isso. Com a chegada da Modernidade, a crítica às normas morais, aos valores transmitidos pela sociedade, gerou uma busca de autenticidade que passou a ser praticamente o único valor moral reconhecido por todos. Com efeito, a ojeriza à hipocrisia, ou a qualquer outra atitude moral que não seja uma revelação de autenticidade é marca distintiva de nossa sensibilidade moral.

É fácil verificar, no entanto, que a autenticidade, quando esvaziada de conteúdos significativos para além da referência arbitrária da vontade subjetiva, degrada com rapidez para uma autopromoção e autocomplacência, que eliminam a própria possibilidade do que é moral. Tantos seriam os problemas que essa atitude moral contemporânea traz à nossa cultura, que o filósofo Charles Taylor caracteriza nossas sociedades por certos "mal-estares". Um deles seria o individualismo exacerbado; outro a noção simplista de liberdade. Esse individualismo manifesta-se também em grupos nos quais seus membros encontram apoio, como, em geral, é o caso dos pichadores.

É possível entender a pichação dentro dessa necessidade de autenticidade individualista e também sectária, travestida de luta social, pois, ao protestar contra a exclusão social, ela gera desintegração social maior e até violência.

Efetivamente, a pichação insere-se neste quadro de violação da convivência pacífica social. Não somente porque degrada o patrimônio público e privado, mas sobretudo porque cria uma cultura de manifestação revolucionária e de revolta gratuitas, aparentada com o ressentimento, e que diminui o exercício da liberdade. De fato, a liberdade supõe o alargamento de horizontes e o reconhecimento de certa herança cultural que integrem os indivíduos da sociedade na realização de um mesmo fim comum.

A liberdade que pretendem os pichadores é cega e abusa do olhar do semelhante, ao impor o que seu próximo deva ver no espaço público e até mesmo em seu espaço privado. É uma liberdade do contra, que é a característica do individualismo das nossas sociedades, ainda que se manifeste em grupos. Ser do contra é ser individualista. E isso é ser pichador.

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Carlos Frederico Gurgel Calvet da Silveira, doutor em Filosofia pela Pontificia Università San Tommaso – Roma, é professor da Universidade Católica de Petrópolis.

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