As CPIs dos Correios, dos Bingos e do Mensalão, com vaga aberta para a anunciada parceira da CPI do Caixa 2, esbofam-se com alguns resultados inconclusos, quando não batem cabeça nos desvios equivocados para apurar o roteiro da roubalheira, marca do grande escândalo do governo do presidente Lula e que arruinou o Partido dos Trabalhadores. Não é o caso de insistir nos erros e ignorar o esforço de seus obstinados membros que, em meio ao exibicionismo delirante dos que posam para as câmeras das TVs ou empenham a alma por um palmo na mídia, lutam para seguir as trilhas que se cruzam nos depoimentos e nos bate-bocas, para evitar o desastre de um desfecho decepcionante. Os sinais de advertência que acenam para os riscos, estimulam a especulação sobre as raízes da desconfiança, que paira sobre a mancha cinzenta da sociedade nos extremos da paciência. Erros fundamentais, de origem, que entram pelos olhos dos que não querem enxergar a evidência, clamam pelo aprofundamento das investigações, como quem pede socorro nos embaraços do novelo das denúncias e juras de inocência. Mal comparando, é como se diante da enxurrada de lama que ameaça soterrar ruas, casas, quintais, os aflitos e bem intencionados voluntários empenhados em socorrer as vítimas, tentassem varrer a podridão sem tampar o rombo no esgoto. O Congresso se recusa a levar a apuração dos seus pecados à fonte histórica da ruptura ética, causa primária e intocada da inquietante decadência de costumes na orgia das mordomias, das vantagens e dos benefícios que contaminou as assembléias legislativas estaduais e as câmaras de vereadores, na solidária corrente dos saques aos cofres públicos.
Perdidos na barafunda e sem ânimo para encontrar a larga porta de saída, o baile descamba para a orgia. A ameaça da forra tucana de criar a quarta CPI para apurar a corrupção no caixa 2, que atravessou na garganta do presidente Lula, como espinha de bagre, recuando às campanhas de 1998 a 2004, é o exemplo perfeito de desinformação, hipocrisia e dissimulação dos que não querem apurar coisa nenhuma, mas confundir o adversário com golpe abaixo da linha da cintura. Se o apelido de caixa 2 é recente, o financiamento de campanha com doações por baixo do pano é truque mais velho que a Catedral de Diamantina. Remonta à República Velha, renasce com a queda do Estado Novo. Ninguém negava o que todos sabiam e justificavam com as irrefutáveis razões dos interesses cruzados: a caixa vazia dos partidos, sem dinheiro para as despesas da rotina, não podiam dispensar a generosidade interesseira de banqueiros, empresários, empreiteiros, os quais impunham a condição do repasse por baixo do pano, sem recibos ou cheques. Nada que obrigasse as declarações à Receita Federal e à pública exposição da ajuda a várias legendas, na cautelosa âncora para as surpresas das urnas.
Repórter nos primeiros passos trôpegos da aprendizagem, na campanha para a sucessão do presidente Getúlio Vargas, em 1954, amarguei a frustração de não publicar um grande furo, com a plena consciência da dura decisão. Num fim de tarde da sessão da Câmara dos Deputados, fui respirar na sacada do Palácio Tiradentes que dá para a Rua São José quando tive a atenção despertada pela conversa em tom baixo, quase sussurros, da sacada ao lado, separada pela distância de poucos metros. Vozes facilmente reconhecíveis de dois deputados importantes, assíduos freqüentadores da tribuna: José Maria Alkmin, do PSD mineiro, e Roberto Morena, o mais atuante e eficiente parlamentar comunista. Estavam nos acertos finais, pendentes da confirmação, do apoio dos comunistas à candidatura de Juscelino Kubitschek. E a pendenga girava sobre a ajuda financeira, negociada com a usura famosa do deputado mineiro e exigida com os insistentes argumentos de Roberto Morena, que alegava as dificuldades para a sobrevivência da estrutura do partido na clandestinidade.
Não me lembro da quantia exata em discussão. Mas era considerável. Encolhi para não ser visto e purguei momentos da angustiosa indecisão de despejar a denúncia, com o estrondo da manchete garantida e as ponderações solitárias do bom senso e da responsabilidade. Não dispunha de prova nem de testemunha. Seria a minha palavra contra a de dois deputados de destaque e que não teriam outra saída do que negar, jurando com os dedos cruzados. Seria queimado na fogueira da veemência udenista e crucificado pela reação dos juscelinistas. E, no fundo, pesei as conseqüências da crise política regada pela gasolina da hipocrisia: todos disputaram os votos dos comunistas.
Um episódio para a crônica do financiamento de campanha, antes dos requintes de corrupção, do roubo do dinheiro público, das contas no exterior e da variante sofisticada do mensalão destes tempos do governo Lula e das lambanças dos delúbios e valérios do PT.
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