O Brasil parece sofrer de amnésia seletiva: esquece-se do passado a cada novo escândalo, voltando todas as suas energias para um só fato. O foco atual é o que chamam de "máfia das próteses", os noticiados casos em que certos médicos receberiam porcentuais de empresas pela utilização de seus materiais cirúrgicos.

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No frenesi de revelar o esquema, as vozes políticas erguem-se com ameaças de CPIs e instauração de inquéritos policiais contra os distribuidores, fabricantes de produtos médicos, e contra a classe médica, que vem sendo impiedosamente atacada. A repercussão desses casos médicos é maior que a de escândalos de corrupção, uma vez que situações traumáticas vividas no precário sistema de saúde do Brasil estão muito mais próximas do dia a dia da população, servindo, então, o médico de bode expiatório dos problemas de gestão na área da saúde.

Em que pese existirem denúncias graves de cirurgias sem a indicação técnica, é preciso frisar: nem tudo que é imoral ou antiético é necessariamente criminoso. Voltemos à "máfia das próteses": tem-se, de acordo com a imprensa, duas situações: a submissão de um indivíduo a uma cirurgia desnecessária, e o recebimento de comissões pelos médicos para a indicação ou utilização dos produtos de determinada empresa.

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Existe uma grande diferença entre contraindicação e divergência de indicação, já que, por não ser um campo exato, opiniões médicas podem ser conflitantes – e a tomada de decisão por parte de um profissional não pode ser condenada sem a devida análise técnica. Agora, no momento em que inexiste a indicação, aí, sim, pode-se falar em ato criminoso, pois, se a intenção é o ganho de porcentual, caracteriza-se o estelionato e, muito mais grave, lesão corporal, já que o consentimento do paciente foi dado com base em informações falsas.

Por sua vez, o recebimento de comissões pela utilização de material adequado para um procedimento indicado fica, à primeira vista, no campo da ética profissional, sem implicações imediatas na esfera criminal.

Não se está aqui defendendo essas atitudes, mas sim lançando-se a razão ao cerco – ou circo – montado em torno da classe médica, equiparada indevidamente à "máfia". Que se investigue o que é crime, mas sem violar os direitos dos profissionais que, em um sistema de saúde falido, buscam garantir o tratamento de seus pacientes.

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