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Com uma filmadora na mão, descrença nos governos e paciência esgotada, mas com um ânimo jovem para os seus 80 anos, a aposentada Vitória (nome fictício), ensinou aos brasileiros algo que eles sempre julgaram complexo demais para se fazer sem investimentos maciços e mudanças estruturais.

Da janela de seu apartamento em Copacabana, zona Sul do Rio de Janeiro, em frente à ladeira dos Tabajaras, uma das áreas mais conflagradas pelo tráfico e consumo de drogas, ela filmou, durante dois anos, cenas a que o bairro se acostumara: venda de cocaína, maconha, crack, etc., e a promiscuidade entre policiais e traficantes. As 32 horas gravadas em 22 fitas documentaram a preocupação que, nacionalmente, atinge os reformadores sociais que pululam nas capitais pregando maior combate à droga, mesmo sabendo que novos consumidores, inclusive das classes média e rica, se sucedem a cada ano.

Sem nenhuma pretensão de mudar o país, a velhinha de Copacabana, há 38 anos morando no mesmo prédio, vizinho a uma favela, cansou-se de ver aquele mercado no qual os clientes mais comuns eram crianças e adolescentes. Após dezenas de inúteis denúncias à delegacia do bairro e conversas ainda mais inúteis com jovens consumidores de drogas, resolveu agir por conta própria. Percebeu que, enquanto assimilava novos consumidores, a venda e o consumo de drogas jogava nas ruas mais e mais crianças, colocadas no centro do tráfico, estimuladas pela escassa renda familiar e pelo convite ao dinheiro fácil.

A rigor, nada diferente do que se passa em outros bairros de muitas de nossas cidades, fora o fato de suas populações ainda não terem entendido que, agindo como a velhinha de Copacabana, podem ajudar na luta contra as drogas. A filmadora de Vitória, comprada à prestação, apenas para filmar os traficantes, funcionou por um buraco aberto na cortina, na qual instalou uma película escura "para aumentar a segurança".

Mas um grande risco para Vitória sempre esteve presente, segundo o secretário de Segurança do Rio, Marcelo Itagiba, com os traficantes e policiais lado a lado e clientes de até seis anos comprando maconha, crack, cocaína, cola de sapateiro, cheirinho da loló e outras drogas. Entregues à polícia, as gravações mostraram que nem sempre as ações policiais, por mais ostensivas e eficazes, como as ocupações de favelas, são elementos dissuasórios se não tiverem o apoio dos cidadãos que sofrem com o tráfico.

A partir das imagens, a polícia prendeu 22 pessoas, entre elas nove policiais militares, incluindo um capitão e um tenente, todos flagrados em escutas telefônicas autorizadas judicialmente, após as autoridades assistirem às fitas. No total, as gravações e investigações resultaram em mandados de prisão para 28 pessoas.

Com o coração e a alma limpos por ter cumprido sua missão, a velhinha de Copacabana mudou-se de apartamento, deixando, como legado, a lição segundo a qual nenhuma política de combate ao crime dá resultado se a população não assumir a responsabilidade que lhe cabe.

Ensinou também que não é mais viável esperar apenas que os governos e os interesses privados solucionem sozinhos os problemas sociais e urbanos, uma vez que, no dia seguinte à sua mudança da ladeira dos Tabajaras, o tráfico voltou a atuar livremente no local, mais que num desafio, num escárnio às autoridades.

Se cada contribuinte não usar sua inconformidade em favor do bem público, reagindo para melhorar a segurança com criatividade, imaginação e inteligência, mesmo com suas óbvias limitações – o governo do Rio chegou a utilizar um balão dirigível para combater o tráfico – nossas cidades continuarão à mercê do banditismo.

A ação da velhinha de Copacabana deixa claro que cada brasileiro, com seu silêncio e passividade, também tem sido responsável pelo que enfrentamos todo dia, quando nós, nossos filhos e parentes, saem de casa.

Miguel Jorge, jornalista, é vice-presidente de Recursos Humanos e Assuntos Corporativos e Jurídicos do Santander Banespa.

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