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"Sócrates, você pode me dizer se a virtude é adquirida pelo ensino ou pela prática, ou nem pelo ensino e nem pela prática, ou se ela já vem pela natureza humana ou outro caminho?", pergunta Meno, no diálogo escrito por Platão. Sócrates, pelo que se sabe, não respondeu a essa questão.

O aborto voluntário sempre existiu, não é um problema recente. Contudo, historicamente, nas grandes civilizações, ele foi julgado como negativo. O próprio juramento de Hipócrates é muito claro em sua proibição. Apenas na nossa época é que um forte movimento de opinião tem procurado induzir a uma revisão cultural em prol da descriminalização e da legitimação, caminho que a proposta do novo Código Penal traça para o Brasil.

A finalidade alegada tanto para a descriminalização quanto para a legitimação é a de respeitar a autodeterminação da mulher e evitar os abortos clandestinos. Porém, no caso do aborto, corre-se o risco de tornar a autonomia um valor mais importante que o direito à vida do filho. Este, de fato, é o grande dilema: a interrupção voluntária da gravidez pode prevalecer sobre o destino de um terceiro (o do filho)?

Os abortos clandestinos são um mal a ser combatido. Mas seria ingênuo acreditar que, para isso, bastaria legalizar a sua prática – mesmo porque o aborto clandestino persiste até em países onde ele é legalizado há muito tempo. Mulheres que não querem perder a sua "honra social" continuam a evitar os serviços públicos. Defender a legalização de algo eticamente inaceitável é como acreditar que, ao legalizar o furto, possamos também reduzir os homicídios. O grande problema está na coerência ética. Se realmente se trata de um mal, não pode ser aceito no nosso país.

A defesa do aborto voluntário não é um consenso na nossa sociedade. Os médicos estariam dispostos a realizá-lo? Devemos ensinar técnicas abortivas em detalhes aos futuros médicos? Suspendemos o milenar juramento de Hipócrates das nossas formaturas? Quanto o médico poderá receber por um aborto? Menos que por uma cirurgia para extirpação de um tumor, mas mais que uma cirurgia para a correção de uma hérnia? Menos que por um parto normal?

A vida é um valor muito forte, mesmo que não absoluto. Podemos citar como exceções a legítima defesa, a pena de morte ou o sacrifício pessoal em detrimento de outrem. Mas a natureza humana, uma vez identificada como existente no embrião, o torna alguém que é (não "se torna") e merece viver, e este direito deve ser preservado. A medicina trairá seus princípios mais fundamentais a partir do momento em que começar a promover a morte.

A medicina tem uma moralidade interna que lhe é própria. As virtudes no médico são a sua predisposição para fazer o bem. Edmund Pellegrino, um dos maiores bioeticistas americanos, as coloca em vários aspectos: fidelidade à verdade, compaixão, temperança, integridade e humildade. Em nenhuma delas o aborto pode ser inserido. Com ele, o médico perde sua posição de respeito, sustentação e defesa pela vida. Perde o sentido maior de sua profissão.

Quem ainda tiver dúvidas da beleza e da intangibilidade da vida humana desde o seu princípio ainda não assistiu a uma ultrassonografia fetal. Dispensa o discurso religioso ou a retórica política. A virtude, seja pela natureza ou pela prática, é tão humana quanto o embrião.

Cícero Urban, médico oncologista e mastologista, é professor titular das disciplinas de Bioética e Metodologia Científica no curso de Medicina e na pós-graduação da Universidade Positivo e vice-presidente do Instituto Ciência e Fé.

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