Ensurdecida pelo burburinho da atual crise política, dá seus primeiros passos para eventualmente tornar-se lei uma polêmica iniciativa do governo federal, com certeza destinada a agitar a atenção e a consciência de tantos quantos valorizam a vida humana. Trata-se de uma proposta de projeto de lei que pretende descriminar a prática do aborto no país, cujo texto foi finalizado e aprovado na última segunda-feira por uma comissão coordenada pela Secretaria Especial de Políticas para Mulheres, diretamente vinculada ao Palácio do Planalto. A próxima etapa será o encaminhamento do projeto para a deliberação final do Congresso Nacional.

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A proposta do governo prevê que a rede pública de saúde e os planos de saúde devem obrigatoriamente disponibilizar procedimentos médicos destinados a atender ao desejo de mulheres interessadas em interromper a gravidez. Com isso, liberar-se-á a prática do aborto no Brasil, mantendo-a como crime suscetível de pena somente os casos em que for cometido contra a vontade da gestante. Estabelecem-se poucas condições para que a solicitação voluntária de aborto não seja atendido pelas clínicas médicas – a de que a gestação não tenha atingido as 12 semanas, e 20 semanas quando a gravidez for fruto de violência sexual, ou a critério médico na hipótese de malformação do feto ou quando há risco de morte para a gestante.

Registre-se que, na sessão de aprovação dessa proposta, os componentes da comissão que a elaboraram teriam chorado de emoção. Comemorou-se, ali, o coroamento, segundo o pronunciamento da ministra Nilcéa Freire, secretária especial de Políticas para Mulheres, de uma luta histórica travada pelos grupos feministas. O novo ministro da Saúde, Saraiva Felipe, por sua vez afirmou que não trabalhará contra a aprovação da lei e nem colocará empecilhos à sua ampla aplicação no âmbito dos serviços públicos de saúde.

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Como se vê, trata-se de uma proposta de legislação das mais liberais, até mesmo se comparada às existentes em outros países que pioneiramente introduziram em seus códigos a descriminação do aborto. Por isso mesmo não será fácil sua tramitação no Congresso Nacional, formado majoritariamente por parlamentares que, em tese, devem representar a consciência nacional, tradicionalmente contrária à facilitação do aborto e às agressões à vida.

Aliás, esta é a grande questão – a vida – que se encontra no centro do longo debate que está por vir. A discussão se travará entre os que consideram que o embrião e o feto não se caracterizam ainda como vida e que, portanto, não sendo crime, podem ser descartados por um simples ato de vontade das que os carregam no ventre e com custos suportados pelo Estado. Mas há os que defendem, com o apoio da melhor Ciência – com a qual não nos é dado discordar –, que o desenvolvimento humano começa na fertilização do ovo. Como bem esclarece a médica Alice Teixeira Ferreira, do Núcleo de Bioética da Universidade Federal de São Paulo, todos os estudos científicos afiram que "o desenvolvimento humano é a expressão do fluxo irreversível de eventos biológicos ao longo do tempo que só pára com a morte." E prossegue lucidamente: "O ser humano, desde ovo até o final da vida, passa por diversas fases de desenvolvimento, mas, em todas elas, é o mesmo indivíduo que, continuamente, se autoconstrói e se auto-organiza".

Aceita esta tese, a de que a vida humana se inicia no momento da fecundação, que a todos – e principalmente à Ciência moderna – se afigura absolutamente incontestável, a proposta de descriminar o aborto aproxima-se da legalização do homicídio. Algo, portanto, com que as consciências mais sãs e bem formadas precisam se posicionar contrariamente.