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Rubem Alves diz que um problema é alguma coisa que perturba o curso de ação, caracterizando-se pela possibilidade de solução. Se não tem solução não é problema. Ele continua: a adolescência não é um problema pela simples razão de que, por mais que você se esforce, não há solução. Ele finaliza recomendando que não se faça nada e se durma bem!

Com seu humor cáustico e um tanto pessimista, dá com o prego na ferradura. É a pura verdade, o que tinha que ser feito tinha que sê-lo bem antes, com o bebê e a criança.

Na realidade, o adolescente não é um ente de outro planeta, que aparece um certo dia no café da manhã comendo com egoísmo todas as torradas e toda a geléia de morango, sem deixar nada para o resto da família, que chateia com piadas agressivas e que acha o pai um "quadrado" ou uma "anta que está por fora", cabeludo, com roupas esquisitas entre muitas outras características.

Os dicionários coincidem em definir a adolescência como o período compreendido entre a puberdade e a fase adulta (mais ou menos entre os 14 anos aos 25 anos), e a pré-adolescência como o período que precede a adolescência, entre os 11 aos 14 anos ( puberdade). Eu defendo a tese de que a pré-adolescência começa com o nascimento. Tudo o que se faça na criação e na educação do bebê, da criança e do púbere serve para a construção do adolescente e do futuro cidadão. Sabemos que a conturbada passagem pela adolescência vem junto com sinais que, sendo normais, não deixam de ser incômodas e desagradáveis. O adolescente normal está amedrontado e sem rumo, elaborando o luto pela perda do corpo infantil, das rotinas conhecidas, de um mundo onde a fantasia reinava e pela perda dos pais da infância, que ele agora descobre que não coincide com a imagem atual. Está à procura de uma nova identidade, tentando aceitar seu novo esquema corporal, com vontade e medo de namorar e com receio e medo da sexualidade emergente, além das conhecidas atitudes reivindicatórias, suas contradições, mudanças de humor, etc. Tem mais um complicador: o espelho, objeto nunca tão utilizado nesta fase, como vã tentativa de que seja refletida uma imagem de galã ou de rainha. O que descobrem, perturbados, são imagens sem graça e sem forma. Sempre vêem algo a mais ou a menos do que seria desejável e perfeito. Outro problema é a generalização estereotipada pela qual se decide que um adolescente problemático mostrado pela mídia é o exemplo universal e paradigmático de "todos os adolescentes". Parece ser mais fácil desqualificá-los, chamando-os de "aborrecentes", ao invés de pensar que cada indivíduo é único e com características intransferíveis. De fato, existe uma enorme legião de adolescentes límpidos, honestos e engajados. É um problema atemporal, Sócrates (Ano V a.C.) opinava: "Os adolescentes amam o luxo, têm maus modos, desprezam a autoridade, passam o tempo vagando nas praças e tiranizam seus mestres". Shakespeare (1623) achava que "não deveria existir idade alguma entre os 16 e 23 anos ou que os jovens dormissem todo esse tempo, porque nada existe nesse tempo além da promiscuidade, roubos e brigas". Prefiro aceitar que os jovens modifiquem a sociedade e ensinem aos adultos a ver o mundo de maneira renovada, mas onde exista o desafio de um jovem que surja um adulto para encará-lo. Não é obrigatório que isto seja agradável. A sociedade, por um lado, promove todo um conjunto de normas bem definidas e dogmas incontestáveis e, por outro, aparenta uma atitude de pretensa aceitação e acolhimento de toda uma "cultura jovem". Existem dois grandes pontos cruciais para a vida, o bebê e o adolescente, momentos em que se deve fazer dois desprendimentos decisivos: o do seio materno e do seio familiar respectivamente.

Sofremos, perdemos, ganhamos, amamos, frustramos, criamos vínculos afetivos e perdemos outros. Enfim sentimos prazer, medo e raiva. Ou seja, vivemos.

Fonte: revista Pais & Filhos

Dr. Leonardo Marcos Posternak é presidente do Instituto da Família e médico pediatra no Hospital Israelita Albert Einstein. Professor do curso "Clínica Interdisciplinar com o Bebê – A saúde física e psíquica na 1.ª infância", na PUC-SP. Membro do Departamento de Higiene Mental na Sociedade de Pediatria de São Paulo. Fundador e membro da diretoria da Associação Brasileira de Estudos sobre o Bebê.

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