O equilíbrio nas contas públicas é uma condição necessária, ainda que esteja longe de ser suficiente, para gerar uma trajetória de desenvolvimento econômico de longo prazo. Não há razão para achar que contas públicas desequilibradas possam contribuir para o desenvolvimento. Governos que gastam mais do que arrecadam ampliam seu endividamento. Dívidas mais altas elevam as taxas de juros, reduzindo os gastos privados e o nível de atividade econômica. Vale lembrar também que juros maiores se constituem num mecanismo de transferência de renda para os mais ricos, aqueles que têm títulos públicos em seu patrimônio.
Isso não significa que o governo eventualmente não possa incorrer em desequilíbrios fiscais. Em períodos de crise, tal como a ocorrida em 2008, a elevação de gastos e a redução de tributos foi necessária para reduzir os impactos da crise. A receita keynesiana de ajuste foi seguida por ampla maioria de países e seus resultados no Brasil foram positivos. No entanto, passada a crise, o equilíbrio fiscal precisa ser restabelecido.
O foco da discussão não deveria ser a necessidade ou não de promover um ajuste fiscal, mas sim a forma de promovê-lo, até porque ajuste fiscal tem custo e este é um ponto no qual deveríamos também ser menos ingênuos. A questão relevante é como financiar este ajuste. Quais gastos devem ser cortados e quais tributos devem ser elevados? Este é o tema que a sociedade brasileira deveria discutir neste momento.
Era de se esperar que um ajuste fiscal conduzido sob a batuta de um governo de esquerda tentasse engendrar um processo que, para além do mero ajuste, ampliasse a justiça fiscal. É preciso lembrar que, apesar dos avanços obtidos na distribuição da renda do trabalho na última década, o Brasil ainda é um país com uma distribuição total da renda e da riqueza muito desigual. Diga-se de passagem, toda a discussão sobre a melhoria na distribuição no país concentra-se na análise da renda do trabalho, nada dizendo sobre a renda do capital e sobre a concentração do estoque de riqueza.
Ainda que sejam parciais, vale a pena observar alguns dados. Em 2012, os indivíduos pertencentes ao 1% mais rico da população segundo a renda domiciliar per capita detinham 12,58% do total da renda. No mesmo ano, os 50% mais pobres da população detinham 16,38% dessa renda. Se lembrarmos que essas informações nada reportam sobre a renda do capital, é bastante provável que o 1% mais rico possuísse, em 2012, mais renda que os 50% mais pobres.
É neste cenário que os debates sobre a estrutura tributária e o necessário ajuste fiscal precisam ser pensados. Quem vai pagar a conta? Os que acreditam que uma sociedade mais igualitária é socialmente melhor do que uma com diferenças abissais certamente responderão que a conta deve ser paga pelo 1% mais rico. Riqueza, patrimônio, rendas elevadas precisam ser progressivamente tributadas. Afinal de contas, o que é mais justo: que a parcela mais pobre da população seja tributada ou que grandes fortunas, heranças e supersalários arquem com a maior parte desses custos?
As medidas anunciadas nesta semana, como a elevação do IOF sobre operações de crédito ao consumidor ou o veto da presidente à correção da tabela do IR, vão na contramão das preocupações com a justiça social, punem essencialmente a classe média, deixando imune novamente a turma do 1% mais rico.
É evidente que essa discussão não exime todo um esforço que deve ser feito na melhoria da eficiência da gestão dos gastos públicos, que promova a sua redução. O fato é que, no caso atual brasileiro, o esforço de redução de gasto não será capaz de, isoladamente, equilibrar as contas. O que se esperava, no entanto, de um governo de esquerda é que os custos tributários e as reduções de gastos afetassem prioritariamente aquela parcela da população que tem condições de suportar um ajuste dessa magnitude. Cada vez mais fica difícil acreditar que há de fato um governo de esquerda no Brasil.
Marcelo Curado é coordenador do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Econômico da UFPR.
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