Final de expediente de uma sexta-feira. Era um belo final de tarde, quando iniciei a última reunião da agenda no Detran com os diretores da Unimed Curitiba. Foram apresentar uma nova campanha publicitária de prevenção aos acidentes de trânsito, com o tema "Se beber, não dirija". Fiquei perplexo diante dos comerciais de tevê. Nada de sangue, nem gritos, nem freadas bruscas, nem carros destruídos. Só a ausência de quem se ama. Antes da despedida, pedi ao dr. Rached Traya, chefe do Pronto-Atendimento do Hospital dos Trabalhadores, para acompanhar um plantão no pronto-socorro. Resposta imediata: sim. Cheguei ao hospital por volta das 21 horas e fiquei até as 2h30 da manhã. Foram cinco horas que jamais esquecerei! Logo que entrei, encontrei um rapaz, aparentando 30 anos de idade, absolutamente alcoolizado, dizendo "eu te amo" para uma moça que o acompanhava. À esquerda, uma senhora com expressão de medo no rosto acompanhava de perto o atendimento ao seu marido. Atropelamento.
Andamos mais alguns metros e vejo um cidadão forte, tatuagem inacabada de uma águia no braço, com sintomas de embriaguez, pedindo aos médicos que esticassem sua perna, que ele achava estar dobrada. Puro engano! A bala que saiu da arma de seu irmão e atingiu sua coluna cervical. Paraplegia! Cadeirante para sempre! Causa: muito álcool.
Entramos numa sala com um biombo. Deitado, nu, um menino de 9 anos de idade, que havia sido atropelado no Sabará. Traumatismo craniano. Estava sendo entubado. "Que Deus tenha piedade e não deixe subir mais do que um andar, pois ainda tem muito para brincar!", pensei. Ao meu lado, um homem de baixa estatura olhava para aquele anjo inocente. Eu lhe pergunto: "Conhece?" "Sou o pai", responde. Não agüentei e saí para tomar um ar; ou melhor, para chorar. Já era madrugada e mais uma vez ouço a sirene da ambulância. Uma senhora, 67 anos, segurando firme a sua bolsa. Edema na nuca. Vítima de agressão. "A senhora bebeu?", pergunta o plantonista. Ela disse "não". O médico faz então outra pergunta. "Que dia da semana é hoje?" Ela não soube responder e descobriu-se a verdade: estava bebendo antes de ser agredida. Deixei o pronto-socorro triste, com a sensação de impotência. O que fazer para salvar aquelas e outras vidas? Sou diretor-geral do Detran e não consigo mudar essas estatísticas! Por onde começar? Estamos finalizando a Semana Nacional de Trânsito e às vésperas do referendo popular sobre o desarmamento. É hora de a sociedade perceber que o álcool tem relação estreita com esses dois temas. O álcool está presente em mais de 50% dos acidentes de trânsito com mortes. O álcool é o motivador de muitas brigas, agressões e até assassinatos, nas ruas, bares e casas das nossas cidades. Precisamos reagir! A exemplo do que o Brasil fez com o fumo, temos que intensificar as campanhas de combate ao consumo do álcool. Temos que sobretaxar as bebidas alcoólicas e intensificar a fiscalização de venda desses produtos a menores de idade. Temos que ampliar as políticas públicas para os dependentes de álcool e seus familiares. O alcoolismo não pode continuar sendo uma doença aceita socialmente!
De "cara limpa", as pessoas são mais prudentes e menos agressivas. Isso, certamente, ajudará a reduzir os acidentes de trânsito e os crimes. O Paraná deve levantar essa bandeira e trabalhar por mais segurança para a nossa gente.
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