A demora do Planalto em decidir a questão das concessões prestes a vencer pode ter desestimulado investimentos

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Dilma Rousseff e membros de seu governo não gostam quando alguém usa o termo "apagão" para falar de cortes de energia. Na peculiar interpretação da presidente, tais interrupções têm de ser chamadas de "blecautes"; "apagão" seria tão somente o racionamento de energia feito no começo da década passada, durante a gestão de Fernando Henrique Cardoso. Na época, a escassez de chuvas se juntou à falta de planejamento do governo para o setor elétrico e obrigou os brasileiros a poupar energia por mais de um ano, entre 2001 e 2002.

A implicância de Dilma – que, quando ministra de Minas e Energia, desenhou e implementou o atual modelo do setor elétrico – não encontra respaldo no uso corrente da palavra nem nos dicionários. O Houaiss registra a palavra "apagão", datada de 1988, como sendo o mesmo que blecaute. Ou seja, interrupção no fornecimento de eletricidade.

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Se o vocabulário da população e da imprensa incomoda tanto, é bom que o governo deixe de lado seus exercícios de ginástica argumentativa e se esmere para evitar que tais situações, tão comuns nas últimas semanas, continuem se repetindo. Não adianta insistir na tecla de que o nosso sistema interligado é seguro e que os últimos cortes são frutos de problemas pontuais, isolados; os fatos depõem contra isso. O próprio ministro interino de Minas e Energia, Márcio Zimmerman, admitiu que a se­­quência de desligamentos "foge da normalidade".

Desde o apagão de 10 de novembro de 2009, quando uma falha nas linhas de transmissão da estatal federal Furnas provocou o desligamento de Itaipu e deixou 18 estados no escuro, houve pelo menos cinco grandes blecautes. E os quatro últimos ocorreram em pouco mais de 30 dias, de setembro para cá. Incluindo na conta cortes "menores", já foram mais de 60 interrupções, em vários estados, desde o início deste ano.

Se o racionamento de 2001/02 foi provocado por graves lacunas na oferta de energia, os últimos apagões, todos relacionados a subestações ou linhas de transmissão, mostram que empresas privadas e estatais têm falhado no transporte da eletricidade e o governo, na fiscalização.

Parece claro que há sérios problemas na manutenção de sistemas de transmissão, alguns dos quais "cinquentões". A queda mais recente, originada em uma linha de transmissão bem mais nova da Taesa (controlada pela mineira Cemig), sugere que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) tem falhado no acompanhamento das condições de conservação dos ativos; não é de hoje que especialistas avisam que a agência reguladora não tem funcionários suficientes para fazer uma fiscalização adequada.

Nesse contexto, a redução nas tarifas de ativos de geração e transmissão que têm concessão prestes a vencer é um desafio a mais. Se hoje o investimento em manutenção está aquém do ideal, é de se perguntar o que vai ocorrer a partir do ano que vem, quando as empresas vão receber menos por seus serviços.

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Quem vai definir o valor das tarifas é o próprio governo, em um processo que está longe de agradar às companhias do setor. De nada adianta o consumidor pagar menos pela energia se não houver a garantia de que ela chegará, com segurança e sem oscilações, à sua residência, ao seu estabelecimento comercial, à sua indústria.

A própria demora do Planalto em decidir a questão das concessões prestes a vencer pode ter desestimulado investimentos. Entre 2015 e 2017 chegam ao fim os contratos de usinas que representam um quinto do parque gerador brasileiro e de mais de 70 mil quilômetros de linhas de transmissão. O ideal seria ter definido – pela prorrogação ou relicitação – no máximo em 2010, quando as concessionárias teriam um horizonte de pelo menos cinco anos à frente. Incertas do que viria, muitas deixaram de investir em um patrimônio que corriam o risco de perder.

O governo não resolveu o assunto quando deveria, e decidiu empacotar a questão junto com a bem-vinda retirada de encargos do setor. Conseguiu, como planejava, anunciar uma redução expressiva nas tarifas (de 16,2% para residências e 20,2%, em média, para o setor industrial). Mas pode ter agravado um problema. Se as tarifas das concessões renovadas ficarem abaixo do que é adequado e a fiscalização permanecer tão frágil, o consumidor que prepare o estoque de velas.