Neste último ano da primeira década do novo milênio, o 1.º de Maio chega, para o trabalhador brasileiro, em panorama muito positivo. Pela primeira vez, desde 1994, o porcentual de trabalhadores em atividade que tem sua carteira assinada ultrapassa os 50%, em processo de formalização sem precedentes. O Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), do Ministério do Trabalho e Emprego, revela esse avanço a partir de 2002, com a criação de milhões de vagas em todos os setores da economia no meio rural e nas indústrias; no comércio e na prestação de serviços; nos grandes, médios e pequenos municípios.
Um fator desencadeante e duas facilitações contribuem para esse quadro.
O quesito primordial foi o crescimento da economia, em cenário internacional favorável. Entretanto, políticas públicas, como a desoneração tributária de produtos da cesta básica e outros bens de consumo, como geladeiras, fogões e insumos da construção civil, também contribuíram para tal, assim como o Bolsa Família, carro-chefe de ações redistributivas de renda. O aumento do consumo dos núcleos familiares alavancou o incremento da indústria alimentícia e do comércio, que culmina por refletir no aumento de vagas nas empresas já constituídas e na criação de novos negócios.
O segundo ponto é o aumento da fiscalização que, embora por si só não coíba a informalidade em grande escala, teve inegável parcela de contribuição.
Em 2009, entretanto, nosso país assistiu a um hiato nessa sequência virtuosa. A crise internacional, afinal, também respingou no Brasil. Como demonstra estudo da Fundação Getulio Vargas, foi a economia "subterrânea" que salvou o emprego no Brasil. Milhares de vagas foram fechadas no mercado formal e o que se viu foi um recorde (aumento de 27,6%) de atividades à margem da legalidade trabalhista, que implicaram desatendimento das normas e diminuição do recolhimento de contribuições sociais, como INSS, FGTS etc. Neste 2010, com o arrefecimento da crise global, da qual o Brasil, aliás, saiu com antecedência, a formalidade voltou a crescer.
O aumento do poder de compra do salário mínimo redistribui renda e diminui as desigualdades sociais uma constante desde 1995 (à exceção de 1998). Amplamente negociada e aprovada pelo Congresso Nacional, a regra assegura contínuo e progressivo crescimento do valor real do mínimo até 2023. A contribuição da massa salarial no conjunto do PIB também tem crescido, paulatina e inexoravelmente, apesar do pequeno sobressalto.
A legislação trabalhista, reunida na CLT desde 1943, passa por transformações ao longo das décadas, à medida que a realidade social sofre inevitáveis mutações. Nem por isso tornou-se "colcha de retalhos", como procuram desqualificar alguns de seus detratores. Ao contrário, teve solidificadas algumas das conquistas históricas da classe trabalhadora na Constituição Federal de 1988, o que perenizou muitos direitos.
A chamada Sociedade da Informação criou situações evidentemente não previstas e nem sempre o legislador consegue acompanhá-las com a celeridade que seria desejável. Teletrabalho e home working, por exemplo, à falta de regulação específica, têm recebido tratamento do Judiciário com base nos princípios do Direito do Trabalho, cabendo ao magistrado aplicá-los aos casos concretos consoante a melhor doutrina.
A questão da terceirização é outro fenômeno da contemporaneidade que a jurisprudência dos tribunais tenta equacionar com base nas leis existentes, as quais nem sempre abrangem todas as situações fáticas que lhes são submetidas.
É difícil fugir ao clichê de que o Brasil é país de muitos contrastes, quer por sua dimensão quase continental, quer pelas distinções regionais que fazem da pluralidade a sua essência. Temos legislação adequadamente protetiva e uma Justiça do Trabalho atuante. Mesmo assim, lamentavelmente convive-se com focos resistentes de trabalho análogo à escravidão, inaceitável contraponto aos avanços sociais almejados pela sociedade.
Penso que as questões essenciais são o aumento do nível de ocupação e a da empregabilidade do nosso trabalhador, que passa obrigatoriamente por sua qualificação. Nesse sentido, o fator educacional deveria ser o centro da preocupação dos governos, nas três esferas da Administração Pública União, estados e municípios, em conjunto com a iniciativa privada. Mercado pujante e trabalhador qualificado são os dois vértices que trazem dignidade individual e desenvolvimento social. Há muito ainda o que fazer nesse sentido.
Nesta data, universalmente cheia de simbologia social, que relembra a repressão e morte de trabalhadores, em 1886, nos Estados Unidos, o trabalhador brasileiro tem motivos não só para celebração, mas também para esperança em dias melhores.
Ney José de Freitas, desembargador federal do trabalho, é presidente do TRT do Paraná