Para o setor de petróleo e gás natural, não se pode dizer que haja grandes surpresas nos 100 primeiros dias do governo Lula. Como esperado, os pronunciamentos e as primeiras diretrizes da nova gestão apontam a intenção de que a indústria petrolífera e de gás natural assuma papel de destaque na atividade econômica. Com algumas exceções, as medidas até aqui anunciadas devem ser entendidas a partir dessa perspectiva, e sinalizam o que deve ter lugar nos próximos quatro anos da atual gestão.
Em termos práticos, espera-se que o governo faça uso desses setores para estimular a indústria e gerar empregos. Mira-se explorar o grande volume de investimentos e da diversidade de produtos industriais envolvidos na atividade de exploração e produção do pré-sal e de novas fronteiras (como a Margem Equatorial). Há diretivas no sentido de diversificar os investimentos da Petrobras na direção de fontes renováveis, ampliar o refino doméstico de petróleo e ampliar o uso do gás natural como insumo industrial.
Os 100 primeiros dias do governo Lula apontam para uma guinada na condução da política petrolífera do país.
Com relação a essa última diretriz, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) criou um Grupo de Trabalho que deverá propor ações para (1) elevar a oferta doméstica de gás natural (redução da reinjeção e permuta de petróleo da União por gás das produtoras), (2) aumentar a disponibilidade do produto para a produção nacional de fertilizantes nitrogenados e produtos petroquímicos, (3) incentivar a construção de infraestrutura de escoamento, tratamento e transporte (como reconhecimento desses gastos como custo em óleo) e (4) criar política de precificação de longo prazo para o gás natural pertencente a União.
Nesse arcabouço, a Petrobras deve voltar a ter maior protagonismo, liderando e ampliando investimentos. Ainda com relação à empresa, a política de preços para os combustíveis também deverá mudar, distanciando-se da paridade de importação, como sugerido pelo presidente Jean Paul Prates em coletiva de imprensa. Como consequência dessas linhas de ação, é inevitável que a distribuição de dividendos aos acionistas da empresa sofra redução nos anos à frente.
Duas outras medidas que também marcaram o período inicial da gestão Lula, e que vem recebendo críticas mais contundentes, foram a suspensão, por90 dias, das privatizações em curso na Petrobras e a instituição de imposto sobre as exportações de petróleo cru. No primeiro caso, ainda que não se esperasse a manutenção do programa de desinvestimentos da empresa sob o novo governo, a medida alcançou alguns ativos cujos processos de venda se encontram em estágio avançado, com contratos já assinados. No caso do imposto de importação, além de dúvidas sobre a constitucionalidade da Medida Provisória que o instituiu, questiona-se o seu mérito (subsidiar o consumo de combustíveis) e a eficácia arrecadatória da medida.
Não iremos nos estender aqui na discussão desses tópicos mais específicos relacionados a essas medidas, mas cabe nos atermos a um elemento de caráter mais geral e comum às duas determinações que repercutem de forma negativa para a institucionalidade do país. Pela forma unilateral como foram implementadas (sem maiores discussões com a sociedade e interessados) e diante do caráter imprevisível, tais medidas representam quebras de contrato e, assim, pioram o ambiente de negócios ao elevar riscos e incertezas, trazendo prejuízos para o país. Em que pese o delicado quadro fiscal também herdado do último governo, que poderia ser aludido como justificativa para a agudeza das ações, haveria ganhos se, no futuro, a atual gestão atentasse para esse aspecto.
Em suma, os 100 primeiros dias do governo Lula apontam para uma guinada na condução da política petrolífera do país. Sob a nova diretriz, o setor volta a ser visto como instrumento de política industrial. Para a Petrobras, a orientação deve implicar mudança de foco, com ampliação dos investimentos e redução de recursos para distribuição de dividendos no curto prazo. Independentemente do debate em torno do modelo ideal para o país e para a empresa (privilegiar o curto prazo ou perseguir maior sustentabilidade de longo prazo), as lições do passado não devem ser desprezadas. Boas práticas de governança, transparência e foco na viabilidade econômica dos projetos devem ser norteadores do processo decisório.
Walter de Vitto, mestre em Economia pela USP, é analista sênior e sócio da Tendências Consultoria.
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