A marca dos 100 dias não é uma previsão legal ou mesmo cultural brasileira. Foi inventada por Franklin D. Roosevelt após assumir a Presidência dos EUA, em 1933, ainda sob os efeitos da Grande Depressão que devastou a economia mundial. Desde então, tornou-se um marco para avaliar os presidentes americanos, embora nenhum outro tenha tido a mesma capacidade de realização do seu criador.
O Brasil importou a métrica há alguns mandatos. Talvez com Dilma Rousseff que prometeu, em 1º de janeiro de 2011, a realização do sonho rooseveltiano de criar uma sociedade justa. O sonho virou pesadelo. Estamos perto de completar dez anos de uma política autofágica e uma economia em deterioração. O quadro em que Lula assume o seu terceiro mandato é muito pior do que quando assumiu 20 anos atrás, quando as contas públicas estavam organizadas e o clima político era favorável à costura dos consensos.
O sonho virou pesadelo. Estamos perto de completar dez anos de uma política autofágica e uma economia em deterioração.
Nos três meses até aqui, Lula soube projetar uma inserção internacional mais ampla e digna, conteve o genocídio yanomami e começou a controlar a indevida presença das Forças Armadas nas questões de governo. Também deu mostras de recuperar políticas públicas desmontadas, como o Programa Nacional de Imunização e a rede de proteção social aos muito pobres. Ainda pavimentou um terreno de diálogo entre os entes da federação, que pode servir para melhor coordenação de políticas entre os níveis de governo.
Por outro lado, há uma espécie de sonolência nas frentes mais sensíveis do ponto de vista estrutural. Primeiro, na economia – as políticas de crédito para trabalhadores e aposentados, a política de preços da Petrobras, a demora para apresentar o novo arcabouço fiscal, que define novas regras dos gastos públicos (lançado no final de março), a dificuldade em avançar na reforma tributária e a alavancagem dos investimentos, são os grandes gargalos da política econômica atual. Sem encarar isso com todos os seus esforços, o governo não consegue oferecer a melhoria econômica que a população espera.
Em segundo lugar, a segurança pública. Olhando para os dois mandatos de Lula, o receituário é crescimento econômico com distribuição de renda. Essa combinação seria suficiente para resolver o problema da segurança, especialmente se fosse uma combinação sustentada no tempo. Não é bem assim. A violência no Brasil tem uma trajetória crescente desde os anos 1970 e obedece a uma dialética entre as prisões e as periferias urbanas. Nos anos petistas, se interiorizou e no período Bolsonaro se instalou na Amazônia. Embora tenha componentes decorrentes da exclusão, não se resolve apenas com política econômica e de renda, nem tampouco é sanada com recrudescimento policial.
A segurança pública envolve múltiplos fatores e exige um empenho articulado de diversas instâncias de governo. Como ainda não foi uma questão do governo nos 100 primeiros dias, poderá ser novamente outra vez relegada a um futuro que nunca chega. E com potencial de alimentar governos extremistas que oferecem violência pura e simples e em cujo horizonte está o a desintegração social.
Luiz Domingos Costa é professor de Ciência Política do Centro Universitário Uninter.
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