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Há 44 anos, em 1970, os míticos 90 milhões de brasileiros eram convocados por uma sanguinária ditadura militar para grandes empreitadas. Na geração seguinte, multiplicados por pouco mais que dois, desfeito o milagre, alcançamos a respeitável cifra de 202,8 milhões de habitantes – quantos deles são cidadãos plenos, com direitos garantidos e cumpridores das obrigações cívicas e sociais?

Os censos começaram precariamente no Brasil Colônia, no século 18; a primeira contagem científica data de 1940, dois anos depois da criação do IBGE, graças à presença no Brasil do eminente demógrafo italiano Giorgio Mortara, um refugiado do fascismo. Éramos, então, cerca de 41 milhões de súditos de outra implacável ditadura, dita "modernizadora": o Estado Novo.

Estamos sendo continuamente batidos pela demografia, não obstante a excelência do IBGE ao longo dos seus 74 anos de existência. Os saltos qualitativos acabam sempre neutralizados pela invencível parceria entre o crescimento populacional e a frouxidão com que as políticas públicas são implementadas e administradas. E continuam assim, mesmo com uma razoável taxa de crescimento populacional (0,86%).

As instituições e os serviços são permanentemente deficitários. A democracia que fabricou a atual Constituição, embora nova, aparentava mais viço e vigor do que a atual, 26 anos depois. Os primeiros desafios foram vencidos com mais energia e criatividade que os recentes. Basta ver como nos livramos de Collor de Mello e da inflação galopante.

Visível a fadiga e a incapacidade do sistema para enfrentar imprevistos. Engessado por seus compromissos, mas principalmente pela onipotência, perdeu a flexibilidade e a capacidade de reagir. Não está esquecida a perplexidade e o entorpecimento do aparelho do Estado quando começaram os protestos em junho de 2013. Ao contrário, tornaram-se mais nítidos ainda quando o governo e sua base de apoio mostram-se tão surpresos com a espetacular ascensão de uma candidata filiada a um pequeno partido (agora na oposição), que em dois lances fulminantes (um deles produzido pela fatalidade) ficou em condições de conquistar a maioria dos 141 milhões de eleitores aptos a votar no segundo turno da eleição presidencial.

Em 2016 teremos quase 207 milhões de brasileiros; em 2020 seremos 212 milhões; mantida a atual taxa de crescimento do eleitorado (4,4% no último quadriênio), estaremos diante de uma formidável assembleia política que já não se contentará com palhaçadas, falsas celebridades, promessas vagas, nem com lideranças incapazes de oferecer respostas imediatas.

A imperiosa necessidade de combinar quantidade e qualidade exige um processo político ágil, apto a gerar reformas e gerir mudanças. Permanentemente.

A sociedade brasileira não soube digerir a modernidade: continua aos trancos, amarrada a dilemas e dogmas teológicos, sociológicos e ideológicos criados no fim da Belle Époque. Suas elites desistiram de inovar, preferem ir a reboque, fazendo longas pausas para pensar e escolher, inaptas para manter a velocidade de cruzeiro.

Estes 202,8 milhões de brasileiros cansaram dos velhos scripts, dos roteiros batidos, fartos das reprises. Querem novas atrações.

Alberto Dines é jornalista, e voltará a escrever neste espaço em 4 de outubro.

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