No dia 7 de janeiro de 1991, morria o diplomata José Guilherme Merquior, no auge de sua produção intelectual, com apenas 49 anos. Se fosse um jogador de futebol famoso ou ator de novelas, certamente ele seria mais conhecido e o 25.º aniversário de sua morte não teria passado em branco na imprensa e nos meios intelectuais. Merquior era pensador, intelectual, escritor e funcionário do Ministério das Relações Exteriores. Não era um homem comum. Dele dizia o ex-ministro da Educação Eduardo Portella que era “a mais fascinante máquina de pensar do Brasil pós-modernista”.
Merquior era um gênio, desses que só aparecem de vez em quando. Formado em Direito e Filosofia, ele fez carreira na diplomacia, trabalhou em vários países, dominava e escrevia em várias línguas: português, espanhol, inglês, alemão e francês. Ele estudou na Inglaterra e na Alemanha, concluiu três doutorados e era reconhecido no exterior como crítico literário, sociólogo e cientista político. O poeta Bruno Tolentino o qualificava como “a maior inteligência brasileira da segunda metade do século 20”.
O livro O Liberalismo, Antigo e Moderno (2014) é essencial para quem aprecia o mundo das ideias
Certa vez, o filósofo marxista Leandro Konder (professor de Filosofia na PUC do Rio de Janeiro) disse: “Quase nunca me aconteceu de ter mencionado um livro que ele não houvesse lido”. Diziam dele que era dotado de uma capacidade de leitura descomunal e que leu tudo, e escreveu 22 volumes, entre os quais A Natureza do Processo (1982), O Argumento Liberal (1983), O Marxismo Ocidental (1987) e O Liberalismo, Antigo e Moderno (em nova edição de 2014).
O livro O Liberalismo, Antigo e Moderno (2014) é essencial para quem aprecia o mundo das ideias e, sobretudo, para quem quer conhecer as origens e estrutura das teorias liberais. Seria bom para o Brasil que nossos políticos soubessem que o liberalismo nasceu como um protesto contra os abusos do poder estatal e procurou instituir a “limitação” dos poderes do governo e a “divisão” da autoridade pela separação dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.
Merquior nos lembra que o liberalismo clássico, em sua forma original, pode ser classificado como uma doutrina que define: um Estado constitucional (com as funções legislativas, executivas e judiciárias reguladas na Constituição); garantia das liberdades individuais (o que exige definir e respeitar os direitos humanos); e liberdade econômica, com direito de propriedade e economia de livre mercado. No liberalismo, a primazia é do indivíduo, a quem o Estado existe para servir, não o contrário.
Uma sociedade em que o Estado existe para servir-se do indivíduo e na qual o indivíduo existe para obedecer ao governo e servir ao Estado em geral termina em opressão e sangue, como foi a experiência comunista no mundo. O capitalismo liberal tem seus defeitos, mas é o melhor sistema inventado para criar riquezas e, ao mesmo tempo, respeitar os direitos individuais. Mas a compreensão desses problemas depende de observação, estudo da história, conhecimento das ideias e saber como funciona a economia.
Merquior não defendia a imposição do credo liberal sobre ninguém. Mas era ferrenho defensor do conhecimento e do debate intelectual. Vitimado por um câncer, ele morreu jovem, mais respeitado e reverenciado nos meios intelectuais fora do Brasil do que aqui dentro. É uma pena!