O Hamas está celebrando seus 35 anos, completos no dia 14 de dezembro de 2022. Infelizmente para os amantes da paz mundial, esse grupo terrorista abjeto ainda existe. E não só existe como teve a petulância de anunciar uma série de eventos comemorativos na Faixa de Gaza. Entre as “festividades”, desfiles militares e comícios. Um deles – no dia do aniversário – aconteceu na cidade de Gaza e reuniu centenas de milhares de palestinos.
Durante o evento, o Hamas exibiu o que disse ser o rifle de assalto de Hadar Goldin, um soldado israelense que, junto com outro soldado, Oron Shaul, foi morto em 2014 dentro de Gaza. Yahya Sinwar, hoje líder do Hamas, disse que Israel tem “um tempo limitado” para trocar os prisioneiros palestinos que mantém pelos restos mortais de Goldin e Shaul “ou fecharemos este arquivo para sempre”.
Algumas pessoas, que não acompanham o que acontece por aqui, já me disseram ter certeza de que o Hamas foi eleito “democraticamente”.
O Hamas tem a esperança de trocar os restos mortais dos dois soldados por terroristas vivos que Israel condenou à prisão. Esse tipo de troca já ocorreu antes. Mas, desde a negociação pela volta do soldado Guilad Shalit por nada menos do que 1.027 presos palestinos, em 2011, os israelenses decidiram que isso se tornaria raro. Houve muitas críticas à libertação de tantos presos palestinos por apenas um soldado. Entre os libertos, aliás, estava o próprio Yahya Sinwar. Ele havia sido condenado a prisão perpétua em Israel pelo sequestro de dois soldados israelenses em 1989. Foi seu irmão que organizou o sequestro de Shalit para conseguir soltar Sinwar.
Algumas pessoas, que não acompanham o que acontece por aqui, já me disseram ter certeza de que o Hamas foi eleito “democraticamente”. Isso porque, em 2006, um ano depois de Israel se retirar totalmente e unilateralmente da Faixa de Gaza, o movimento islâmico venceu as eleições para o parlamento palestino, o Conselho Legislativo Palestino. Mas não foi uma eleição para a Presidência palestina.
Na verdade, um ano depois, o Hamas realizou um golpe violento em Gaza, assassinou ou expulsou todos os rivais da facção Fatah (do atual presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas), e assumiu o controle do território. Não, isso não se chama democracia. O golpe dividiu os palestinos, que hoje vivem sob o controle de duas entidades: o Fatah na Cisjordânia e o Hamas, em Gaza.
A economia de Gaza está no chão. Mas isso não parece demover os líderes do Hamas, cegos pelo ódio e o extremismo religioso.
Mas o aniversário deste ano ocorre em um momento de crise para o Hamas. O grupo terrorista enfrenta uma crise econômica terrível e de popularidade em Gaza. Muitos dos 2 milhões de habitantes locais duvidam da capacidade do grupo de administrar tanta gente, insistindo em um armamentismo anti-Israel, em vez de investir no bem-estar social. Tanto que, para o comício de aniversário, as autoridades locais tiveram de trabalhar duro para mobilizar um grande público.
O governo de mão pesada do Hamas não permite espaço para oposição, e o grupo proibiu protestos contra ele e prendeu críticos. Portanto, é difícil saber realmente em que pé está a popularidade do grupo. Uma pesquisa realizada pelo Centro Palestino de Pesquisas Políticas e Pesquisas, um respeitado centro de estudos baseado na Cisjordânia, constatou que o Hamas continua, sim, popular, mais do que o partido Fatah de Abbas na Faixa de Gaza. Quer dizer, se houvesse eleições em Gaza hoje, 43% dos entrevistados votariam no Hamas e 34% no Fatah.
Mas a gente não sabe se isso é de fato o que pensam os moradores de Gaza. Afinal, a pesquisa também constatou que apenas 6% dos moradores do território acham que a situação por lá é positiva e 69% acreditam que as instituições administradas pelo Hamas sofrem com a corrupção.
O modelo “sou mau e não me importo em ser pária” do Hamas só levou Gaza, um território pobre e superpopuloso, a se tornar mais pobre ainda desde que o Hamas tomou o poder, em 2007. Muito se fala do “bloqueio econômico israelense” à Gaza. Mas, na verdade, o que existe é a decisão de Israel e do Egito (não esquecer do Egito, que também faz fronteira com Gaza) de negociar o mínimo possível com um grupo de fanáticos que considera o terrorismo um método legítimo para conseguir seus objetivos. E o principal objetivo, que fique claro a todos, é acabar com Israel.
O Hamas travou quatro guerras e numerosos confrontos contra Israel. Então, Israel e Egito controlam rigidamente o movimento de pessoas e mercadorias dentro e fora do território temendo atentados terroristas. A economia de Gaza está no chão. Mas isso não parece demover os líderes do Hamas, cegos pelo ódio e o extremismo religioso. No comício, eles previram um “confronto aberto” com Israel em 2023. “Temos que dar a chance de inflamar a resistência na Cisjordânia”, conclamou Yehiyeh Sinwar.
Sinwar acredita que o fato de que Israel terá, ao que parece, o governo mais de direita de todos os tempos, fará com que palestinos da Cisjordânia decidam também pegar em armas e começar uma terceira intifada – uma revolta violenta e sangrenta – contra Israel. O problema dessa lógica é que eles chamariam todos os palestinos às armas de qualquer forma. Afinal, para o Hamas, governos israelenses de esquerda e de direita são todos iguais. O partido esquerdista Meretz e os ultrarradicais da Força Judaica são todos farinha do mesmo saco, para eles.
Sinwar quer apenas ver o circo pegar fogo, não importa o bem-estar de seus cidadãos. Ele criticou Abbas, pedindo o fim da coordenação de segurança da Autoridade Palestina com Israel (ambos lutam em coordenação contra militantes islâmicos, o que o Hamas odeia). Mas, no final das contas, apesar da vontade de Sinwar, não está claro que os palestinos (de Gaza ou da Cisjordânia) estejam interessados em mais uma guerra ou intifada contra Israel -- apesar de, claro, ainda ansiarem por um Estado independente e pelo fim da ocupação israelense.
Será muito triste se, daqui a 35 anos, o Hamas continuar a existir. E será triste se, daqui a 35 anos, a presença israelense na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental continuar a existir como é hoje. Algo de bom precisa acontecer. Vou continuar acreditando.
Daniela Kresch é jornalista e correspondente do Instituto Brasil-Israel em Tel Aviv.
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