A tecnologia 5G está no centro da disputa geopolítica e tecnológica que pode tomar contornos dramáticos com a crise sanitária iniciada em Wuhan. De um lado, a China, que trabalha de maneira intensa pela adoção de sua tecnologia em diversos países, sofreu um enorme revés diante da desconfiança pós-coronavírus. Do outro, os Estados Unidos, principal adversário comercial, assistem ao derretimento chinês com distância regulamentar. Fato é que nenhum país poderá ficar indiferente a essa disputa e será cada vez mais difícil assumir posições intermediárias.
A razão é muito simples. Os Estados Unidos passarão a limitar a cooperação em áreas estratégicas, tais como defesa, inteligência e alta tecnologia nos casos em que a segurança de dados e informações sensíveis estiver sujeita à violação por parte de entes malignos com acesso às redes de 5G. Um argumento coerente que preserva suas posições estratégicas.
Países mais afoitos poderão optar pelo desenvolvimento rápido do 5G com base somente na qualidade e no preço de equipamentos e da tecnologia, sem levar em conta ameaças de segurança embutidas; contudo, isso pode significar, no longo prazo, comprometer dados pessoais, segredos industriais e até o funcionamento de infraestruturas críticas também na área de segurança e defesa. Este é o chamado “risco chinês”.
É por esse motivo que os Estados Unidos têm um ponto válido que precisa ser debatido e levado em consideração. Diferentemente de suas concorrentes ocidentais, que são companhias privadas com governança corporativa transparente, as empresas chinesas são apenas formalmente privadas. Na prática, seus dirigentes estão enredados na trama política do Partido-Estado, sendo impossível desvincular a Huawei, por exemplo, dos interesses estratégicos do Partido Comunista Chinês.
Nesse contexto, é importante que o Brasil não comprometa as enormes possibilidades de cooperação com Washington, nosso aliado estratégico, em nome de uma visão puramente econômica. Não podemos nos contentar em comprar por valor de face eventuais compromissos de respeito aos parâmetros do processo competitivo por parte de empresas chinesas. Especialmente no mesmo momento em que o investimento na China passou a ser repensado por largas corporações diante da falta de transparência governamental em face do coronavírus.
Sabemos que esses compromissos, na prática, são muito difíceis de monitorar, já que a tecnologia 5G pode muito bem conter backdoors e outros estratagemas para permitir acesso não autorizado à rede e a seu tráfego de dados. Ações de espionagem ou de ataque cibernético, em um mundo dominado pelo 5G, podem colocar em risco a vida de pessoas, já que será possível controlar equipamentos domésticos pela internet das coisas, fazer cirurgias a distância, isso sem falar em seu papel também na administração de redes elétricas, barragens, portos, aeroportos e nos complexos militares.
Não é possível, nessa tecnologia, qualquer arremedo de solução intermediária, separando o centro (“core”) do sistema de sua periferia, já que a integração é total entre equipamentos e conexões. Para o Brasil, é importante implementar o 5G porque a competitividade de nossa economia e a eficiência de serviços públicos dependerão disso. Cabe ao nosso país tomar as medidas que entender necessárias para restringir ações indesejáveis sobre as redes de telecomunicações.
O desafio é implementar o 5G, mas não a qualquer custo. É implementar o 5G preservando nossa aliança estratégica com os Estados Unidos e outros países ocidentais, sem abrir um flanco que comprometa a segurança nacional. A crise internacional de confiança pela qual passa a China atualmente, impulsionada pela crise sanitária, torna-se emblemática neste cenário. O Brasil precisa trabalhar com parceiros democráticos reconhecidos pela transparência. Tampouco devemos ceder ao monopólio tecnológico chinês em troca de apoio no combate ao coronavírus, um movimento estratégico preocupante que tem circulado nos meios internacionais.
Apenas eliminando a presença de empresas que confundem-se com governos, como é o caso chinês, poderemos seguir adiante com a nova tecnologia sem aumentar potencialmente os riscos de perdas irreparáveis. Somente assim podemos preservar ao mesmo tempo as vantagens econômicas, políticas, estratégicas e de segurança derivadas de nossa integração no mundo ocidental, regido pelo Estado de Direito, pela transparência e pelo compromisso com as liberdades individuais.
Márcio Coimbra é diretor-executivo do Interlegis no Senado Federal e ex-diretor da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil).