Depois de seis anos na Alemanha, estamos voltando para a Califórnia e todo mundo me pergunta se vou aplicar o método Marie Kondo na hora da mudança. Na verdade, estou usando uma técnica menos conhecida, a Firoozeh Dumas, na qual passo meia hora por dia me lembrando das mudanças passadas – 22 ao longo da vida, em três continentes – e revivendo a tensão de cada uma.
Engraçado que as minhas lembranças mais estressantes não envolvem uma mudança propriamente dita. No fim dos anos 70, eu e minha família estávamos morando na Califórnia temporariamente, enquanto meu pai prestava consultoria para uma empresa norte-americana que estava construindo uma refinaria no Irã. Porém, após a Revolução, em 1979, percebi que tudo que tínhamos deixado em Abadã “para quando voltássemos” já não era mais nosso, graças ao Método Aiatolá: “Para nós é uma alegria separá-lo de seus pertences.”
Em casa, nunca reclamamos; como poderíamos nos queixar quando tantos tinham perdido gente querida? Mesmo assim, sendo um ser humano imperfeito, às vezes olho meus dois tapetes persas falsos comprados na Ikea, que não me enchem de alegria nenhuma, e fico com saudade da casa cheia dos belíssimos exemplares que não trouxemos conosco para os EUA.
Sabia que meu pai tinha resposta para todas as perguntas que eu já fizera sobre os EUA e até para as que nunca formulara
É nessas horas que também me lembro do robô a pilha japonês do meu irmão Farshid, aquele que deslizava pelo chão feito mágica, erguendo e abaixando os braços, soltando uns guinchos que eu achava a coisa mais futurista do mundo. Passei boa parte da meninice bolando planos de roubar aquele brinquedo, e muitos outros anos depois desejando tê-lo mesmo afanado e trazido comigo para os EUA para devolvê-lo ao meu irmão e permitir que guardasse uma bela parte de sua infância. É bem provável que ele o acabasse dando para um dos sobrinhos, mas teria sido uma decisão sua. A palavra-chave aqui é “escolha”.
Quando nos mudamos para Munique, achei que ficaríamos um ou dois anos, então aluguei um espaço em um guarda-móveis para tudo de que não precisaria na Alemanha, mas de que não queria me desfazer – e certamente tudo que deixei lá daria bem um episódio sem graça do reality show “Quem Dá Mais?”.
Tirando as obras de arte infantis, os álbuns de fotos e os livros, entre os destaques estão as malas gigantes que trouxemos para os EUA quando eu tinha sete anos. Voamos de Pan Am, meu pai de terno com colete, minha mãe de vestido florido, meia-calça e salto alto. Nossa bagagem não era Louis Vuitton, mas as Samsonites azuis, com direito à caixa de maquiagem combinando, eram, para o padrão da Abadã de 1972, bem chiques.
Quando olho para elas hoje, lembro-me de como me sentia confiante, apesar da jornada rumo ao desconhecido. Sabia que meu pai tinha resposta para todas as perguntas que eu já fizera sobre os EUA e até para as que nunca formulara. Estava sempre dando conselhos, pérolas de uma sabedoria que adquirira graças à bolsa de estudos do Programa Fulbright para estudar na Texas A&M, em 1952: “Sempre compre o maior carro que puder”; “Chevrolet é o melhor carro do planeta”; “Ninguém nunca se arrependeu de ter estudado”; “Pode ser da cor que for, Jell-O é a sobremesa mais gostosa do mundo”; “Não compre uma casa se você pode alugar o que quiser com facilidade”; “Uma mulher sem estudo estará sempre à mercê dos outros”; “Pôr gelo no chá é muito errado”.
As tais malas empoeiradas me lembram de que meu pai foi o melhor aliado que uma menina poderia ter, apesar dos péssimos pitacos que dava.
Estamos fechando a casa, e estou levando muito pouco. A maior parte da nossa mobília está sendo doada. Vou levar uns vasos feitos na Alemanha Ocidental, nos anos 70, que considero a época áurea da cerâmica alemã. Ninguém gosta deles, nem meu marido, mas eu adoro e não vejo a hora de entediar meus amigos com sua história. (Nunca ouviu falar de Bodo Mans? Se vier me visitar, vai saber tudinho sobre ele.)
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As caneconas de cerveja também vêm comigo, embora eu nunca tenha servido a bebida nelas. Como é que alemão consegue beber tanto? Bom, imagino que os alemães também olhem para o Big Gulps e façam a mesma pergunta a respeito dos norte-americanos e o refrigerante.
Nossa caçula, hoje adolescente, tinha sete anos quando viemos para a Alemanha, mesma idade que eu tinha quando cheguei aos EUA. Chegou aqui sem saber uma palavra de alemão e hoje fala feito nativa. É uma tradutora relutante, como também fui para minha mãe. E ri do meu sotaque norte-americano, como eu imitava a pronúncia persa carregada da minha mãe. Como eu, minha filha sente que pertence a dois países, mas as semelhanças acabam aí. Ela não está ansiosa; não teme que, enquanto estiver fora, um deles mude completamente a ponto de desaparecer, continuando vivo apenas em suas lembranças.
Outro dia achei um robô igualzinho ao do meu irmão no eBay por US$ 2 mil. Mesmo que tivesse condições, não compraria; não é o mesmo com o qual ele brincava, aquele que levei para exibir no jardim de infância, fingindo ser meu. Depois de encará-lo na tela do computador pela primeira vez em quase 50 anos, percebi que não era bem o robô que eu queria ter guardado, mas a inocência e a segurança que sentíamos em nossa casa em Abadã, no Irã, um lugar que achamos que existiria para sempre, à nossa espera, exatamente como o deixamos. Não conseguimos colocar essa perenidade na mala na época, e sei que hoje também não conseguirei levá-la. Mas, mesmo assim, vou tentar.
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