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A temporada 2021 do futebol brasileiro acabou de começar e algumas competições já foram suspensas em razão da Covid-19.
Dados oficiais indicam que a mortalidade é de 2,23% entre os casos catalogados e que, levando-se em consideração os assintomáticos, esse índice seria inferior a 1%. Na faixa etária dos atletas, ou seja, entre 20 e 40 anos, o índice de mortalidade é ainda menor. Violência, acidentes de trânsito e até o aborto sempre mataram milhões de pessoas e nunca houve qualquer restrição de direitos ou cancelamento de eventos. O fato é que, se a análise fosse estritamente racional, não haveria razões sequer para se cogitar suspensão do futebol.
As medidas restritivas aumentaram a pobreza no mundo e deve causar cerca de 115 milhões de mortes. Segundo o DataSUS, em levantamento realizado pelo jornal O Estado de S.Paulo, o Brasil teve, entre 2008 e 2017, 63.712 óbitos por desnutrição. Em 2020, a Oxfam lançou o estudo “O Vírus da Fome: como o coronavírus está potencializando a fome em um mundo faminto”. O estudo indica que 122 milhões de pessoas foram levadas à fome em 2020 como resultado dos impactos sociais e econômicos causados pela pandemia do coronavírus, e que 12 mil pessoas podem morrer diariamente de fome. As mulheres são as que mais sofrem com a fome. Um estudo da Fiocruz em conjunto com a Universidade de Londres e com a Fundação Getúlio Vargas, de 2019, mostrou que a recessão brasileira aumentou em 8% a mortalidade, o que equivale a 31.415 mortes. Os negros são os que mais sofrem.
Observe-se, ainda, que os principais defensores do isolacionismo são servidores públicos, grandes empresários e classes mais abastadas. Os pobres que precisam do emprego e da circulação das pessoas para sobreviver não são vistos insurgindo-se contra “aglomerações”. Há quem defenda que homens não podem falar de violência contra a mulher ou brancos não podem se manifestar sobre racismo, mas ricos e poderosos podem resolver pelos pobres?
No futebol, treinadores e atletas de equipes grandes, que não ficarão sem salário e sem emprego se o futebol parar, têm defendido a suspensão do futebol. Será que a grande massa de atletas de equipes pequenas e que recebem menos de dois salários mínimos são a favor da suspensão?
Na prática, isolamento social não salva vidas, mas apenas transfere o risco de umas pessoas para outras. Os ricos e abastados que podem ficar em casa retirarão de si o risco de morte pela Covid e transferirão aos pobres o risco de morte pela fome e pela miséria. Não há nenhum estudo científico que aponte em que quantidade os lockdowns estão realmente impedindo a propagação da doença.
O presidente Jair Bolsonaro, em suas manifestações, tem atraído a ira dos servidores públicos, da imprensa e de membros de classes abastadas que o têm rotulado de “desumano”. Por outro lado, as pesquisas têm apontado um aumento significativo na popularidade e no posicionamento eleitoral de Bolsonaro nas classes mais pobres. O presidente da República está falando para esse público que tem medo, pânico de sentir fome, que olha para o seu filho subnutrido e que sabe que o lockdown retirará dele e de seus filhos a esperança.
Alguém viu algum microempresário ou algum trabalhador criticar as falas e posturas do presidente? O que se vê é a voz isolada de uma autoridade contra o genocídio de pessoas pobres condenadas à morte pela fome e pela miséria. Mas é óbvio que qualquer motivo de morte que seja anunciado, reverberado e contabilizado 24 horas nos noticiários chamará a atenção pelo volume e trará medo e histeria.
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A suspensão do futebol brasileiro nesse momento significará um golpe de misericórdia nos clubes pequenos, o aumento da miséria da grande massa de atletas e, quem sabe, até decretar o fim dos estaduais. Suspender o futebol será a derrota da esperança e a vitória da escuridão. O futebol precisa exercer seu papel social pela esperança e pela luz, consagrando a vitória da razão sobre o medo.
Gustavo Lopes Pires de Souza é mestre em Direito Desportivo pela Universidade de Lérida (Espanha), MBA em Consultoria e Gestão Empresarial, especialista em Gestão em Marketing Digital e membro da Academia Nacional de Direito Desportivo.