O processo europeu de fechamento de fronteiras aos imigrantes considerados "desqualificados" segue a pleno vapor aproveitando-se de elementos conjunturais que "legitimam" o salvamento e o adensamento do sistema capitalista e financeiro mundial.
O principal facilitador do processo está na formulação da política de immigration choisie (imigração seletiva) defendida pelo presidente Nicolas Sarkozy e encampada pelo Pacto Europeu sobre Imigração e Direito de Asilo. O líder francês acumula a presidência rotativa da União Européia e aparece, até o final de 2008, como o porta-voz de uma Europa forte e preparada para vencer a crise e projetar-se rumo ao futuro.
A crise econômica mundial, nesse sentido, revela-se como outro elemento conveniente e legitimador de reformas, pois exige a reestruturação do Estado a partir de critérios de eficiência e a conseqüente demissão de trabalhadores tanto no setor público como no privado sem prévio diálogo social e com precarização da proteção legal ao trabalho. No que concerne aos imigrantes, adotam-se as políticas de retorno, eufemismo para sistemas de expulsão de seres humanos considerados indesejáveis aos olhos dos "europeus do futuro".
O apoio dado às normativas européias como a "Diretiva de Retorno", aprovada no primeiro semestre, e os critérios para a concessão do blue card alusão ao green card norte-americano estão longe de constranger os deputados europeus. Os votos a favor das políticas de imigração seletiva somam 388, com apenas 56 votos contra e 124 abstenções. Entre os que apóiam estão muitos deputados social-democratas e muitos militantes da Europa dos Direitos Humanos, unidos diante do desafio de resolver a crise interna de legitimidade que enfrenta o bloco por não conseguir uma solução normativa/legal para desembaraçar os entraves ao Tratado de Lisboa (antigamente chamado de "Constituição Européia").
Até aí nenhuma surpresa. Mas o processo contempla outro elemento que escapa à lógica. O que não faz sentido nesse processo é o apoio dado pelos próprios países africanos ao negociarem um Programa de Cooperação Trienal 2009-2011 no sentido de "reforçar as sinergias entre cooperação e desenvolvimento" e, como resultado dos debates de 25 de novembro de 2008, deixarem-se aderir pouco a pouco a uma visão européia cujo mote é o da seleção e da exclusão.
A aquiescência dos países africanos ao processo de imigração seletiva facilita a expulsão de seus próprios nacionais por meio de critérios de "acolhida ao retorno" e cria novas formas de migração baseadas em critérios de formação acadêmica e experiência profissional, pré-pactuando a exportação à Europa daqueles migrantes que são considerados adequados ao processo de desenvolvimento hegemônico. Em última instância, os africanos aceitam exportar cérebros e, com isso, inibem suas próprias possibilidades de futuro.
Sem resistência, sem impactos de opinião pública e agora com o apoio daqueles que deveriam resistir, a Europa abre passo ao seu projeto auto-referente avançando ponto a ponto as questões de Lisboa com a ajuda providencial de uma crise alienígena e matizando, sem nenhuma coerência, o discurso dos Direitos Humanos para proteger os autorizados a viver dentro de suas fronteiras.
Carol Proner, doutora em Direito Internacional pela Universidade Pablo de Olavide (Sevilha), é professora da UniBrasil.carolproner@uol.com.br
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