A COP28 demonstrou a crescente falta de um consenso entre os líderes mundiais sobre o tema da “transição energética”. Apesar dos debates sem fim, mais acalorados do que os de eventos anteriores, o texto final da conferência saiu bastante genérico, abstrato e pouco contundente. Não haverá conteúdos realmente vinculantes, tampouco prazos específicos para essa "transição energética".
E conforme já é amplamente sabido, alguns dos principais responsáveis por sabotar e bloquear os projetos de descarbonização total são principalmente as lideranças dos países da OPEP, com destaque para Emirados Árabes Unidos e da Arábia Saudita.
Um bom exemplo disso, e talvez o ponto alto da COP28, foi a declaração do próprio presidente de honra do evento, Ministro da Indústria dos Emirados Árabes Unidos, Sultan Al-Jaber, de que não havia evidência científica para a crença de que a eliminação dos combustíveis fósseis serviria para combater o “aquecimento global”.
Os comentários de Al-Jaber, que ademais é o “enviado climático especial” dos EAU à ONU, despertaram a indignação de todos os porta-vozes da chamada “agenda verde”, da Climate Crisis Advisory Group ao Climate Analytics, passando por todos os outros. A Anistia Internacional já criticava a realização da COP28 nos EAU, bem como a condução do evento por Al-Jaber por causa de seus vínculos com a indústria do petróleo.
As "escadarias para o céu" oferecidas pelos Senhores do Mundo são a energia solar e a energia eólica, fundamentalmente porque são os setores nos quais esses personagens já têm feito altos investimentos
Necessário comentar en passant que Al-Jaber não está sozinho nisso, ou junto apenas a “malignos” “negacionistas” e adeptos do “obscurantismo”. Em novembro deste ano, a Fundação para Inteligência Climática (CLINTEL), uma organização independente dedicada ao tema das mudanças climáticas segundo uma abordagem realista e cientificamente embasada, publicou um documento chamado “Declaração Climática Mundial” cuja essência pode ser resumida no slogan: “Não há emergência climática”.
Essa declaração foi assinada por 1.841 cientistas de todo o mundo, com destaque para os ganhadores do Nobel John Clauser e Ivar Giaever. Entre eles há também 20 cientistas brasileiros de relevo.
No sentido contrário, e em associação próxima com a tirania sanitária (já superada, mas à espreita para um retorno) e dentro do bojo do Grande Reset e da Agenda 2030, uma cabala de oligarcas planetários tem tentado forçar o mundo a um choque de descarbonização que promete o nirvana por meio da eliminação frenética dos combustíveis fósseis.
As "escadarias para o céu" oferecidas pelos Senhores do Mundo são a energia solar e a energia eólica, fundamentalmente porque são os setores nos quais esses personagens já têm feito altos investimentos. Com uma mão eles investem em determinadas tecnologias "milagreiras". Com a outra mão investem em ONGs e "cientistas" cuja função é nos convencer de que o mundo está à beira do colapso.
Para que não fiquemos no abstrato e possamos demonstrar isso concretamente, basta tomarmos o caso africano, mais especificamente do projeto da empresa M-KOPA de levar eletricidade à África através da energia solar.
Nobre projeto para um povo tão sofrido! Mas seria prudente cultivar certo grau de ceticismo. A M-KOPA Solar, que visa distribuir eletricidade na África através da venda de kits solares, tem como um de seus principais acionistas a Generation Investment Management, um fundo de investimentos cocriado pelo notório “ecocapitalista” Al Gore. As conexões são profundas, já que um dos membros do Conselho Consultivo da M-KOPA é Colin Le Duc, sócio fundador da Generation Investment Management. Há, naturalmente, outros investidores e parceiros, como a CDC, de propriedade do governo britânico, a Fundação Bill & Melinda Gates e a Fundação Shell (!).
A M-KOPA Solar, que visa distribuir eletricidade na África através da venda de kits solares, tem como um de seus principais acionistas a Generation Investment Management, um fundo de investimentos cocriado pelo notório “ecocapitalista” Al Gore
O negócio teve sucesso e só no Quênia a M-KOPA tem 19 milhões de clientes, atuando também na Tanzânia e em Uganda. O problema, porém, é que se olharmos com mais atenção para o modelo de negócio veremos que não se trata de uma empresa de energia solar, mas de uma financeira.
Vejam, nesses países em que a empresa atua boa parte da população vive com 2-4 dólares ao dia. Então naturalmente, esses kits solares são comprados parcelados, quase nunca à vista, e a M-KOPA cobra juros de 20%. Mas considerando a instabilidade econômica africana, a M-KOPA não recebe as parcelas mensalmente.
Em um caso que poderíamos até chamar de “racismo verde”, as parcelas da M-KOPA são pagas em diárias, através de um sistema de pagamentos próprio desenvolvido por eles mesmos, a M-Pesa. Em caso de falta de pagamento, o kit solar é desligado remotamente através de um cartão SIM instalado no dispositivo, e o infeliz em questão fica na escuridão até retomar os pagamentos.
Recordemos aqui que no Brasil, por exemplo, a energia elétrica é considerada um serviço vital atrelado à dignidade da pessoa humana. Afinal, da energia elétrica dependem uma miríade de atos e facilidades da vida quotidiana, do armazenamento de alimentos ao banho. Por isso que entende-se necessário um tempo de tolerância de pelo menos 15 dias entre o aviso específico de inadimplência e o corte de energia. Nada dessa “moleza” para os africanos, porém.
Evidentemente, como se trata de um serviço essencialmente financeiro, e não de energia, a M-KOPA consegue emplacar outras vendas para seus clientes, como kits solares para televisores, no valor de 500 dólares à vista (3x mais do que pela Amazon nos EUA). Quem não paga tem o nome negativado nas agências de crédito locais (dificultando outros aspectos da existência africana). Como o buraco é sempre mais embaixo, os kits solares não são nem mesmo produzidos localmente, são importados.
Este caso específico é um entre muitos, sendo tão somente um dos mais visíveis e óbvios (por envolver a exploração direta dos africanos) dos últimos anos, tendo já sido exposto até pela Bloomberg.
Esse “milagre verde” de caráter usurário passa longe dos métodos mais objetivos usados pela África do Sul, proprietária da única usina nuclear funcional do continente africano e que já expôs seus planos de construir novas
A narrativa da transição energética, portanto, passa muito longe de fontes mais eficientes e testadas pelo tempo, como a nuclear. Afinal, a energia nuclear tende a ser explorada de forma monopolista pelo Estado ou a pelo menos estar sob forte supervisão estatal.
Veja-se, por exemplo, como esse “milagre verde” de caráter usurário passa longe dos métodos mais objetivos usados pela África do Sul, proprietária da única usina nuclear funcional do continente africano e que já expôs seus planos de construir novas. A África do Sul deve, em breve, ter outros colegas no clube nuclear africano. O Egito, novo membro dos BRICS, iniciou as obras para a construção de sua primeira usina. Burkina Faso, por sua vez, assinou um acordo com a Rosatom russa para a construção de uma usina em seu país. Nigéria e Gana, que já possuem instalações nucleares exclusivas para estudo e pesquisa, também publicizaram seu interesse em apostar na energia nuclear.
Talvez a M-KOPA acabe se deparando com um concorrente indigesto no Quênia, já que o país assinou CGNPG, chinesa, um acordo para construção da sua primeira usina nuclear.
Naturalmente, essa pauta se insere em uma constelação de projetos cuja finalidade é, realmente, "revolucionar" nossas existências (e daí o termo Grande Reset), mas não como gostaríamos. Nesse sentido, o "lockdown" energético da descarbonização e suas pautas correlatas parece levar (e intencionalmente) ao rebaixamento dos padrões existenciais das classes médias e promover com mais falências de pequenas e médias empresas.
Das “cidades de 15 minutos”, que mais se assemelham a guetos, à extinção dos carros pessoais, passando por projetos de blecautes programados, a “Agenda Verde” aponta para um martírio da humanidade para que ela pague por seus pecados ecológicos comendo menos, bebendo menos, tomando menos banho, viajando menos, se divertindo menos.
Porém, para além dos projetos de destruição dirigidos contra as classes médias e empreendedoras de todas as nações, as principais vítimas dos Senhores do Mundo evidentemente serão os países produtores de petróleo e gás, que coincidentemente ou não são precisamente aqueles que estão fazendo um pivô para longe do Ocidente atlantista, sede do projeto mundialista.
Dos 10 maiores produtores de petróleo hoje, 6 são membros dos BRICS (Rússia, Arábia Saudita, China, Brasil, EAU, Irã), com outros 2 (Iraque e Kuwait) sendo membros da OPEP e geopoliticamente mais próximos a alguns países dos BRICS. Quanto ao gás natural, 5 dos maiores produtores pertencem aos BRICS (Rússia, Irã, China, Brasil e Arábia Saudita).
É interessante, também, cruzarmos essas informações sobre BRICS e OPEP porque elas permitem perceber algum tipo de articulação geopolítica de longo prazo que corresponde a um alinhamento ou coordenação entre os dois fóruns.
A OPEP, Organização dos Países Exportadores de Petróleo, foi fundada por Irã, Iraque, Kuwait, Arábia Saudita e Venezuela. Enquanto o BRIC(S) foi fundado por Brasil, Rússia, Índia e China (com a África do Sul logo se unindo). A Rússia foi convidada à OPEP+ no final de 2016, com a aproximação entre Vladimir Putin e Mohammed bin Salman e o Brasil ingressará na estrutura em 2024. Por sua vez, como sabemos, Irã e Arábia Saudita estão entre os países convidados para os BRICS. Com a Venezuela cotada para receber um convite entre 2024-2025 (tal como a Nigéria, também da OPEP).
Essa movimentação permite deduzir tanto a intenção de controlar o mercado mundial de petróleo como influenciar e regular com mais precisão o processo de desdolarização e, portanto, o abandono do petrodólar.
Na medida em que a atual ordem econômico-financeira internacional tem estado fundada sobre o petrodólar desde o colapso de Bretton Woods, o qual possui como fundamento geopolítico a aliança entre EUA e Arábia Saudita, ao afastamento entre EUA e Arábia Saudita, corresponde como fenômeno simultâneo a diversificação das cotações do petróleo saudita, que hoje já aparecem em rublo e yuan.
Se pensarmos a China como o maior importador de petróleo do mundo, poderíamos pensar no estrangulamento da produção de petróleo como uma arma de desaceleração da economia chinesa
Não parece estar nos planos nem da Rússia, da China ou da Índia, tampouco dos países da OPEP, portanto, uma descarbonização até 2030 ou, como se fala hoje, 2050.
Se prestarmos atenção nas estatísticas econômicas dos países que temos abordado realmente não faria sentido embarcar nessa aventura. Vejamos, focando no petróleo e derivados:
- Arábia Saudita: 43% do PIB e 90% das receitas de exportação;
- EAU: 33% do PIB e 40% das receitas de exportação;
- Kuwait: 43% do PIB e 88% das receitas de exportação;
- Catar: 16% do PIB e 53% das receitas de exportação;
- Bahrein: 17% do PIB e 40% das receitas de exportação.
E não podemos, naturalmente, esquecer os países não árabes:
- Irã: 15% do PIB e 65% das receitas de exportação;
- Rússia: 16% do PIB (c/ gás) e 50% das receitas de exportação;
- Venezuela: 25% do PIB e 85% das receitas de exportação;
- Brasil: 10% do PIB e 11% das receitas de exportação.
Aqui, naturalmente, deveríamos ainda acrescentar a Argélia, a Nigéria, o Equador e vários outros países.
Para as potências do petróleo, a questão não é apenas de ser forçado a abandonar a produção de petróleo, mas também que os outros países do mundo abandonem a compra de petróleo, o que derrubaria as suas economias.
Se a Agenda Verde, portanto, obedece aos interesses de alguns bilionários “vanguardistas” e aos delírios ideológicos de determinados transumanistas, ela também parece corresponder a objetivos geopolíticos específicos que apontam para o enfraquecimento dos países produtores de petróleo, que estão entre seus principais rivais. E se pensarmos a China como o maior importador de petróleo do mundo, poderíamos pensar no estrangulamento da produção de petróleo como uma arma de desaceleração da economia chinesa, caso a “descarbonização” caminhe mais rápido do que a capacidade chinesa de alcançar autossuficiência energética.
Daí o uso do discurso da necessidade de investimentos dos "países ricos" para a "transição energética". Mas é interessante que, de fato, Mohammad bin Salman tem tentado se proteger no âmbito energético e faz a sua própria "transição energética".
Mas não na direção das hélices eólicas e dos painéis solares, mas pela construção de usinas nucleares em parceria com a CNNC chinesa. O Irã, por sua vez, faz o mesmo com a ajuda da Rosatom russa.
Enquanto isso, como vemos na COP28, os países árabes atuam contra o ecoglobalismo e compram tempo para acelerar a desdolarização e proteger as suas economias contra a "terapia de choque" energético defendida por Davos, inclusive através da manipulação dos preços do petróleo.
Raphael Machado é jurista, editor, analista geopolítico e presidente da associação Nova Resistência.
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