Quando a pandemia causada pelo coronavírus foi reconhecida oficialmente no Brasil, em março de 2020, morava em São Francisco do Sul, uma pequena ilha no norte de Santa Catarina. Quem conhece sabe que lá, fora da temporada de veraneio, vive-se uma quarentena natural, especialmente nos balneários. As ruas e as praias ficam vazias e praticamente apenas o comércio dito essencial permanece aberto, como mercados, farmácias e postos de combustível. Foi nesse ambiente que comecei a acompanhar as primeiras notícias sobre a pandemia que já afetava gravemente outros países, em especial a Itália.
As informações e cenas transmitidas pelos noticiários eram chocantes: famílias com os seus entes queridos mortos dentro de casa, covas coletivas sendo abertas para receber dezenas de corpos de uma vez, ruas de cidades frenéticas como Londres, Paris, Nova York e Tóquio simplesmente desertas, e os “especialistas” anunciando que dezenas de milhões de pessoas morreriam da noite para o dia. Não havia como não ficar apavorado. No começo, fiquei tão assustado com as estatísticas terroristas dos Átilas Iamarinos que já imaginava o mundo como naqueles filmes de ficção científica: um universo sombrio, com esqueletos humanos espalhados pelas calçadas, estabelecimentos comerciais saqueados, cachorros magros e ratos disputando restos de comida nas sarjetas, sucatas de carros empilhadas, tudo abandonado...
Diante dessa perspectiva aterradora, tomei providências para proteger a minha esposa e a mim mesmo do caos iminente. Segui rigorosamente as recomendações dos profetas do apocalipse. Lavava tudo que chegava do mercado com água, sabão e cloro. As frutas que não podia lavar, como bananas, deixava em isolamento no sol por dois ou três dias. Desinfetava calçados e roupas quando voltava da rua. Comprei um segundo botijão de gás e estoquei comida: arroz, feijão, massas, enlatados, tudo que tivesse prazo de validade longo foi comprado no atacado. Paracetamol, então, tenho uma dúzia de caixas até hoje. Cheguei a guardar parte da comida em um “esconderijo” embaixo da escada, caso fosse necessário abandonar a casa às pressas para fugir de um ataque de zumbis. Aliás, já tinha traçado até um plano de fuga: enchi o tanque da caminhonete e deixei-a estacionada de frente para o portão para que minha mulher pudesse arrancar o carro enquanto daria cobertura para nossa fuga, abatendo a tiros quem quer que nos ameaçasse nesse cenário de terror.
Muitos podem pensar que fui um tolo ao acreditar no quadro de fim do mundo pintado pela mídia. Sinceramente, não me sinto um idiota por ter estocado comida e me preparado para enfrentar a invasão zumbi. Eu me sinto enganado, isso sim! O que me consola é saber que não fui o único. A manipulação de informações, dados, estatísticas e imagens fez quase todo mundo pensar que o Juízo Final estava mesmo próximo. Aqueles que continuam dentro de casa assistindo aos noticiários talvez ainda acreditem nessa outra realidade do tipo Matrix propagada com obsessão incansável por pseudojornalistas: “fique em casa, do contrário você vai morrer”. Essa é a mensagem que continua sendo veiculada rotineiramente na mídia.
Felizmente, essa expectativa apocalíptica desapareceu para mim quando tive a oportunidade de me mudar para Balneário Camboriú, a mais badalada cidade do sul do Brasil, ocasião em que me obriguei a sair de casa. Para minha grata surpresa, descobri que o sol ainda brilhava no céu; as pessoas estavam nas ruas caminhando, praticando esportes, passeando com seus bebês, olhando as vitrines! Sim, as lojas continuavam abertas e expondo a coleção do inverno que se avizinhava. Restaurantes bastante frequentados, com clientes fazendo refeições sentados nas mesas, inclusive idosos! Mas tudo dentro das restrições determinadas pelos “especialistas”: uso de máscaras, higienização das mãos com álcool em gel, medição de temperatura na entrada do supermercado, distanciamento entre as pessoas no interior dos estabelecimentos...
Talvez nunca saibamos o que realmente está por trás da pandemia. Mas uma coisa é certa: as medidas de restrição, especialmente o distanciamento social e o uso de máscaras, estão nos tornando criaturas diferentes. Ao ficarmos distantes uns dos outros não percebemos o calor humano que nos fazia sentir acolhidos e amados. O aperto de mãos entre amigos, o abraço afetuoso em nossos familiares, a oração de mãos dadas nos cultos religiosos ou simplesmente o sentar ao lado de um desconhecido em um banco de praça, tudo isso nos fazia mais próximos, mais fraternos, mais humanos. Ser recebido com um sorriso nos fazia sentir queridos e sempre bem-vindos em qualquer lugar, fosse na casa de um amigo, na academia, na padaria ou no consultório médico. As faces cobertas não escondem apenas o nosso riso; escondem também os nossos sentimentos. Estávamos habituados a identificar o estado de espírito das pessoas só de olhar o seu rosto. “Está na cara”, costumávamos dizer ao vermos uma pessoa preocupada. E, consternados por essa constatação, logo oferecíamos a nossa ajuda. Hoje, mal conseguimos perceber o olhar triste do outro.
A pandemia não está subtraindo apenas as nossas crenças e liberdades. A pandemia está acabando com a nossa empatia: quanto mais distantes uns dos outros, menos somos capazes de nos compreendermos. A identificação com o nosso semelhante, com as suas fraquezas, com os seus medos, desperta em nós a solidariedade e a compaixão, virtudes que elevam o nosso espírito e nos fazem caminhar juntos em busca do verdadeiro bem comum.
A cultura do isolamento decorrente das restrições impostas desde o início da pandemia está nos tornando criaturas frágeis e suscetíveis a ataques. Não é assim na natureza? Um leão, rei das selvas, quando unido ao seu grupo, dificilmente será desafiado por outros animais. Porém, quando está sozinho, pode ser atacado e subjugado por um bando qualquer de bestas, como as hienas. Tal como as hienas, há governantes no Brasil e mundo afora que estão se aproveitando de nossas vulnerabilidades para impor uma dominação e um controle sem precedentes sobre as nossas vidas. São covardes oportunistas que se valem de uma tragédia humanitária para abusar do poder que lhes foi confiado para fazerem a nossa vontade, e não para nos tornarem reféns dos seus caprichos.
Passado mais de ano de pandemia, as pessoas deveriam começar a desconfiar seriamente de tudo o que foi dito pela tal “ciência” e pela grande imprensa a respeito desse flagelo. Você pode até pensar que essa desconfiança não passa de uma teoria da conspiração. Mas vale a pena parar um instante para refletir; afinal, estamos correndo sérios riscos, não apenas por causa de um vírus, mas pela ameaça de rompermos os laços que nos unem e nos protegem enquanto grupamento humano, tornando-nos vulneráveis aos ataques de qualquer besta selvagem.
Leandro G. M. Govinda, especialista em Direito Tributário, ex-procurador da Fazenda Nacional e ex-professor da Universidade do Sul de Santa Catarina e da Escola do Ministério Público, é promotor de Justiça em Santa Catarina.
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