| Foto: Manu Gomez/Foto Movimiento

A liberdade está sob ameaça. O florescimento dos movimentos democráticos após a queda do Muro de Berlim vem retrocedendo há algum tempo, e o autoritarismo tem se aprofundado da Rússia à Venezuela, passando pela China, em anos recentes. Mas, talvez, o mais preocupante seja a erosão das liberdades fundamentais que ocorre em democracias com históricos de garantias básicas – uma tendência que se acelerou no último ano. Quem valoriza sua liberdade deve estar apreensivo com este desdobramento.

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Segundo um relatório emitido pela Freedom House, a liberdade diminuiu ao redor do mundo pelo 11.º ano consecutivo em 2016. Essa deterioração da democracia afeta praticamente todas as regiões e não tem precedentes na história recente.

Mas ainda mais alarmante é o fato de que países classificados como “livres” no sistema de classificação do relatório vêm liderando a lista dos que estão sofrendo recuos. Na verdade, os países livres foram responsáveis pela maior parcela dos que retrocederam, e mais do que em qualquer outra época, na década passada. São sociedades em que se pode participar livremente do processo político, o governo responde por suas ações, as liberdades fundamentais e o Estado de Direito estão preservados e há proteção aos direitos individuais.

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O populismo e nacionalismo emergentes vêm solapando esses direitos e liberdades. Na Europa, as tensões internas somadas às pressões externas, como a interferência russa e a crise da migração, deixaram claro que o continente já não pode mais ser considerado o bastião da estabilidade democrática. A força crescente de partidos contrários aos regimes dominantes atuais no Reino Unido, Polônia, França, Alemanha e outros lugares está mudando o panorama político europeu e deslocando o debate de forma a minar seus valores fundamentais. Os imigrantes muçulmanos são o alvo atual, mas, à medida que as garantias caem por terra, qualquer grupo – étnico, de gênero ou mesmo político – pode ser o próximo.

As democracias fortes promovem a estabilidade e a paz no mundo

As eleições que se aproximam na Holanda e França serão um teste para a tolerância de seus cidadãos à retórica inflamatória e à hostilização de certos grupos humanos. Também terão um impacto importante sobre a capacidade desses países de defender as normas democráticas no futuro. No segundo semestre, a vitória eleitoral esperada dos nacionalistas na República Tcheca pode ser decisiva na Europa Central, que já viveu reversões democráticas na Polônia e Hungria.

Nos Estados Unidos, a campanha eleitoral de Donald Trump e suas ações inaugurais extremas chamaram à atenção a sustentabilidade de uma das democracias mais consolidadas do mundo. As declarações de campanha de Trump, especialmente suas promessas de bloqueio de seus opositores, geraram perguntas sobre a capacidade do país de servir como exemplo a outras democracias. Seus movimentos no sentido de cumprir outras promessas após a posse, em especial o muro de fronteira e a interdição de muçulmanos, acabaram logo com toda e qualquer dúvida sobre suas intenções.

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Além disso, a retórica de “Estados Unidos em primeiro lugar” de Trump implica uma política externa baseada em interesses nacionais unilaterais de curto prazo, aparentemente desconectados do compromisso estratégico tradicional do país com a democracia, os direitos humanos e a ordem internacional de direito que ajudou a construir.

O Brasil não vive um aumento no nacionalismo que se compare aos Estados Unidos ou Europa. Contudo, a destituição da presidente Dilma Rousseff desviou a atenção dos líderes da corrupção generalizada, e o presidente Michel Temer enfraqueceu instituições concebidas para garantir a responsabilização do governo, como a Controladoria-Geral da União. O país deve promover suas instituições democráticas e garantir que protejam os interesses de todos, para que preserve a liberdade que sua população tem hoje. Isso vale em especial para o âmbito local, que – como mostrou a Califórnia ao governo americano, nas últimas semanas – pode gerar resistência a medidas impopulares de âmbito nacional.

As democracias fortes promovem a estabilidade e a paz no mundo. Significam resistência a tiranos, que perseguem e oprimem seus povos. Colaboram com a construção e manutenção do Estado de Direito internacional e a promoção dos direitos humanos ao redor do mundo, o que, por sua vez, dissemina a ordem e a prosperidade. E servem como referência a países que estão lutando para trazer esses benefícios a seus próprios sistemas políticos.

Hoje, os Estados Unidos e alguns de seus aliados europeus podem estar abrindo mão de alguns desses ideais, e deixando uma lacuna no lugar. A Rússia já demonstrou sua intenção de preenchê-la, ao interferir na Ucrânia, na Síria e nas eleições americanas e europeias.

É uma oportunidade para o Brasil mostrar sua liderança global. O país continua a fortalecer sua democracia, combater a corrupção e proteger os interesses das minorias, especialmente em âmbito local. E também mostrar seus valores lá fora. Precisa lutar por liberdade e direitos nas Nações Unidas e encontros regionais. E dar o apoio que estiver ao seu alcance à combalida oposição na Venezuela, um Estado vizinho em rota de falência.

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Nações democráticas já viveram tranquilas um dia, com o pressuposto da garantia de seus direitos. Mas as instituições são tão democráticas quanto as sociedades a que pertencem, e a liberdade global está em um terreno cada vez mais instável. Quem crê na democracia precisa reagir.

Sarah Repucci é diretora sênior de publicações globais da Freedom House, em Nova York, e membro do Comitê de Pesquisa do Instituto Atuação.