A América do Sul parece ter ingressado no século 21 com um claro projeto de integração subcontinental. O crescimento econômico mundial, aliado à resistência dos países em desenvolvimento em submeter-se a mais um ciclo de exploração comercial pelos países desenvolvidos, que levou a Rodada de Doha ao ocaso, contribuiu para esse quadro. Os grandes obstáculos no caminho da integração vieram com a crise de 2008, com epicentro nos EUA e na hegemonia do capital financeiro, e com o acordo militar celebrado entre a Colômbia e os Estados Unidos.
Sabemos que o último decênio do século 20 assistiu à generalização dos governos neoliberais que sucederam as ditaduras militares no continente. Paralelamente, presenciamos graves crises nas principais economias da América Latina México, Brasil e Argentina , que por sua vez propiciaram a ascensão de governos progressistas de rejeição à cartilha neoliberal. É o caso de Hugo Chávez em 1998, Lula em 2002, Tabaré Vázquez e Nestor Kirchner em 2003, Evo Morales em 2005, Rafael Correa em 2006 e Maurício Funes em 2009.
Na contramão dos governos neoliberais, os governos progressistas põem a tônica nas políticas sociais e diferem na decisão sobre o modo de inserção no mercado internacional. Rejeitam as políticas de livre comércio com países hegemônicos e priorizam as iniciativas destinadas à integração regional e sub-regional. No caso específico do Brasil, após a rejeição da Alca (Área de Livre Comércio das Américas) o acento foi deslocado para a diversificação da nossa pauta comercial com a inclusão do comércio intra-regional e o exemplo marcante é a Venezuela e sempre fortalecendo o Mercosul, sobretudo as relações com a Argentina. A criação da Unasul com o impulso brasileiro também é reflexo da tentativa de fortalecimento dos laços na América do Sul.
A crise financeira de 2008 permitiu avaliar empiricamente qual modelo teve o melhor desempenho. O México, pioneiro nos tratados de livre comércio com os EUA, está amargando as consequências da sua opção, uma vez que os efeitos negativos da crise refletiram diretamente no comércio bilateral e em toda a sua economia. A diversificação da pauta comercial brasileira, por sua vez, está demonstrando a capacidade surpreendente do Brasil de ministrar os efeitos da crise mundial, a tal ponto que o principal parceiro comercial atualmente deixou de ser os Estados Unidos para dar lugar à China.
Não há dúvidas de que a frustração com os resultados das políticas neoliberais deslocou a região em peso para a esquerda, gerando um mapa político sem precedentes na América do Sul. No Uruguai, venceu as eleições do último domingo o ex-guerrilheiro tupamaro José Pepe Mujica.
Não sabemos ainda se essa tendência progressista marca um intervalo no histórico da região ou se, ao contrário, tratam-se de propostas pós-neoliberais que vieram para ficar. O Chile será palco de eleições antes do final de 2009, a Bolívia e o Equador estão próximos da reeleição de seus atuais presidentes. Em 2010, haverá eleições presidenciais no Brasil e na Colômbia e, em 2011, no Peru e na Argentina. No momento, porém, a única certeza que podemos ter é que o futuro do projeto integracionista dependerá dos resultados das urnas nos próximos dois anos.
Larissa Ramina, doutora em Direito Internacional pela USP, é professora da Unibrasil
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