As agressões sofridas por dois policiais – um deles feminino – no último domingo, na Vila Brasilândia (zona norte de São Paulo), instalam o temerário quadro da anarquia. A equipe, ao deparar com dois indivíduos trafegando sem capacetes numa moto com a placa coberta, iniciou a perseguição. Os suspeitos abandonaram o veículo na frente do local onde se realizava um baile funk e se misturaram às pessoas que ali se encontravam. Ao tentarem a abordagem, os militares foram agredidos com socos, pontapés, garrafadas e até golpe de estrangulamento. Um indivíduo tentou desarmar o agente e alguém gritava “vão matar os polícias”. Preso em flagrante, o envolvido teria dito pertencer ao Primeiro Comando da Capital (PCC) e, mesmo assim, restou liberado na audiência de custódia, segunda-feira.
Quando o policial em serviço é desrespeitado ou agredido, a ofensa não deve ser encarada como pessoal, mas uma ação contra o Estado, que esse funcionário representa. Logo, ali, o ofendido foi o Estado, o que demonstra a insubmissão e a audácia do crime organizado, cumulada com a certeza da impunidade. Os esquemas criminosos são tolerados a ponto de seus integrantes demonstrarem força de quem pelo menos pensa dominar o Estado. Na situação criada pelas leis que norteiam a política de segurança pública das últimas décadas, o trabalho da polícia é escancarada e ousadamente confrontado e alvo de manifestações muitas vezes violentas dos desordeiros e criminosos que, valendo-se do estado de impunidade, não sofrem qualquer tipo de consequência. Com isso, periclita a segurança pública e avançam os esquemas criminosos, cada dia mais ousados e violentos.
As inadmissíveis cenas da Brasilândia estão recuperadas em vídeo. Espera-se que as autoridades tenham nelas o ponto de partida para a devida criminalização dos que agrediram os policiais e, no mínimo, impediram a sua ação, que é um serviço do Estado. É preciso que os atos antissociais comecem a ser combatidos, como ocorreu no passado distante. A sociedade, majoritariamente composta por cidadãos de bem, não pode continuar convivendo com esse estado de coisas, onde os criminosos agem acintosamente e impedem o poder público de proteger a população.
A politização da segurança e as falsas premissas de que todo criminoso é uma vítima da sociedade e de que todos os policiais são truculentos levaram os demagogos a produzir leis e procedimentos que deseducam e dão a entender que o certo é o crime, e o errado é o seu combate. Isso chegou ao atual quadro, em que os criminosos enfrentam a polícia porque sabem que, num confronto, é mais fácil eles saírem como vítimas e o policial ainda ter de responder a processo insuflado pelos inimigos e críticos institucionais da classe e da corporação policial, muitos deles incrustados na própria estrutura do poder.
Rejeitamos a polícia truculenta. Mas não podemos admitir desordeiros e criminosos com direito a impedir que os policiais cumpram com sua finalidade, que é constitucional. É preciso que as forças da sociedade e parlamentares realmente comprometidos com a segurança comecem a propor leis mais contemporâneas e, principalmente, a revogar a legislação leniente e inócua que empodera o bandido e impede a polícia de agir. Não tivéssemos essa legislação equivocada, certamente o agressor da Brasilândia e tantos outros que costumam enfrentar as forças de segurança não teriam sido libertos tão rapidamente – e, quando o fossem, iriam conter seus ânimos.
Urge manter o imperium do Estado, a autoridade de seus agentes e, ao mesmo tempo, conter os arroubos dos transgressores. O quadro adverso já foi longe demais, a ponto de policiais serem perseguidos e até sacrificados por aqueles cujas práticas ilícitas impediram. Sem a volta do equilíbrio, a vida em comunidade ficará cada dia mais difícil.
Dirceu Cardoso Gonçalves é tenente da Polícia Militar de São Paulo e dirigente da Associação de Assistência Social dos Policiais Militares de São Paulo (Aspomil).