| Foto: Fabio Abreu/Thapcom

Como no lema dos inconfidentes, antes tarde do que nunca: após 20 anos de inconclusivas negociações, finalmente firmou-se acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia, o que deve ser celebrado, posto o lamentável atraso histórico de ocasiões perdidas.

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Trata-se do mais impactante acordo do gênero, a unir pelo comércio não mais países, mas blocos econômicos: 760 milhões de habitantes, 32 Estados, dois continentes, a incluir muitas das maiores economias do mundo. Um sem-número de oportunidades de instantâneo progresso, a possibilitar melhor distribuição de renda e bem-estar econômico e cultural, tanto deste como daquele lado do Atlântico.

No que concerne a condições de consumo e de acesso à qualidade, com mais oferta e menos preço, desde prestações públicas até bens e serviços, em átimo de tempo emergirá a percepção de décadas de atraso a que nos submetemos. Com isso, o cidadão, que é também consumidor contribuinte e eleitor, será fatalmente obrigado a perguntar: por que não se fez isso antes?

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Nos últimos 20 anos, tanto na cátedra como em inúmeros artigos de opinião, também fizemos as mesmas perguntas, diante da insensatez que se impunha. Decerto a Europa e o Cone Sul americano, com tantas identidades e perfis de economias complementares e não competitivas, salvo interesses mesquinhos, tinham tudo para ser espaço econômico comum. Tudo nos unia; no entanto, algo que ainda haverá de ser estudado, como se faz nos acidentes aéreos, nos separou.

Com todos os benefícios que o acordo traz, o cidadão, que é também consumidor contribuinte e eleitor, será fatalmente obrigado a perguntar: por que não se fez isso antes?

Como o tempo das celebrações não deve ser o tempo dos sumários de culpa, cumpre, por ora, tão somente exultar pelo fato de terem prevalecido a razão e o bom senso, e que agora se projeta um infinito espaço de oportunidades e de vantagens comuns, com abertura comercial de fato, agora sem discursos e promessas de protocolo.

Em termos técnicos e jurídicos, o macroacordo conquistado, o maior do comércio internacional, a fazer confluir história e geografia, só foi possível pela consolidada existência da personalidade jurídica do Mercosul, derivada da união aduaneira tão criticada, que em visão rasteira servia apenas para prender o Brasil a seus vizinhos. Em verdade, com incapacidade técnica e preconceito desavisado, deixou-se de prover efetivo progresso, com opção pelo protecionismo fácil do discurso açucarado. Faltaram estadistas a enfrentar interesses menores, pelo bem comum, em prol dos desígnios e necessidades das próximas gerações.

Deixando as vantagens econômicas, para além do tilintar das moedas, há ainda patrimônio de conquistas e de riquezas imateriais que só a integração permite. Agora, pelo pragmatismo dos governos, como vitória da diplomacia, da negociação e do diálogo, abrem-se canais extraordinários, a permitir a promoção de valores mais profundos, da integração dos povos e de suas sociedades, a fortalecer as nações, e não ao contrário.

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Leia também: O acordo entre Mercosul e União Europeia (editorial de 30 de junho de 2019)

Leia também: Avanços externos (artigo de Márcio Coimbra, publicado em 19 de junho de 2019)

Resta, por fim, crer nas vantagens da política de blocos, na abertura comercial, como garantidora da paz e do desenvolvimento comum – em especial para o Brasil, país rico, mas de povo pobre, gigante na economia e na história, imenso em seu patrimônio jurídico e cultural. Chegar-se como bloco, em última análise, a um entendimento de tal magnitude, em época tão conturbada, demonstra a assimilação das lições da história, privilegiando-se abertura comercial, com políticas consequentes, isentas de qualquer crítica minimamente considerável.

Agora, espera-se velocidade surpreendente na implementação do acordo, com a urgência que o tempo requer, com as confirmações legislativas nacionais deste lado (quatro vozes) e comunitária daquele (uma só voz). Quanto ao presidente Macron e seu pragmatismo, não há que preocupar-se com o jogo de cena das pequenas políticas inconformadas com a perda de privilégios, dos sindicatos medievais, nem das paróquias agrícolas da França profunda. A história urge.

Deste lado, a atuarmos como bloco econômico, nós, o Mercosul, a comprovar que – apesar dos pesares – sim, dispomos de dimensão e altura de verdadeiras nações, é oportuno lembrar vizinho ilustre, o estadista argentino Juan Bautista Alberdi, prócer do pensamento liberal do século 19, que afirmava: “Cada restricción comercial que sucumbe, cada libertad que se levanta, cada frontera que se allana, son conquistas que hace el derecho de gentes en el sentido de la paz, más eficazmente que por los mejores libros y doctrinas”.

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Jorge Fontoura é professor e advogado.