A recente guerra comercial entre Estados Unidos e China vem chamando a atenção do mundo, mas ao mesmo tempo vem escondendo um fato mais importante e até mais relevante do que esta disputa comercial, se partirmos de um olhar menos instantâneo e mais abrangente sobre a realidade econômica do nosso planeta. O que está em disputa no presente momento é a hegemonia da economia global. Estamos diante de uma “nova Guerra Fria”, só que desta vez em moldes econômicos. O que está sendo colocado em xeque no presente momento é a hegemonia americana. Porém, se apurarmos o nosso olhar histórico e observarmos o mundo em perspectiva histórica, podemos concluir que o que hoje normalmente é conhecido hoje como “hegemonia” americana poderíamos bem denominar de “anomalia” americana.
Em que sentido me refiro à economia americana como “anomalia”? Para entender isso, temos de verificar que desde priscas eras as maiores economias do globo sempre foram a chinesa e a indiana. Por duas razões: grandes territórios férteis e grandes populações. Basta dizer que a Índia completou 100 milhões de habitantes por volta do ano 700 e a China, por volta do ano 1200. A Reconquista e as Grandes Navegações ressuscitaram o comércio na Europa, enriquecendo alguns países europeus, e ensaiaram a formação do que hoje conhecemos como “globalização” (a integração das economias em nível global). Pois bem: devido a estas condições, do século 16 até o início do século 19, as grandes economias do mundo eram: China, Índia, Rússia (devido ao grande território e à grande população), Reino Unido, França, Itália e Alemanha (devido ao mercantilismo e, depois, à Revolução Industrial).
Quando tivermos, junto com nosso território e população, instituições republicanas e democráticas somadas à liberdade econômica, ninguém segurará nosso país
No início do século 19 aconteceu no território dos Estados Unidos uma combinação anômala (no sentido de rara e incomum) de fatores que produziram um crescimento econômico extraordinário: o desenvolvimento de instituições republicanas e democráticas, combinando diversos modelos já existentes na Europa em diferentes países; um território imenso e extraordinariamente fértil, combinando características de diversos climas e vegetações; e um aumento populacional crescente, fruto da imigração (especialmente de pessoas que fugiam das confusões da Europa no século 19); além da revolução industrial, do empreendedorismo, da livre iniciativa, do liberalismo. Nos Estados Unidos ocorreram concomitantemente os dois fatores que deram riqueza às nações do mundo: território e população, de um lado; e revolução industrial, de outro. O resultado foi uma produção de riqueza como nunca tinha havido até então na face da Terra. O que está acontecendo hoje é o seguinte: a globalização fez com que os dois fatores que produziram a extraordinária riqueza chegassem à Índia e a China: o liberalismo econômico e a industrialização. O forte crescimento destas duas economias nada mais é do que a recuperação de uma posição que sempre lhes coube no cenário mundial.
Cabe aqui chamar a atenção para dois outros países que têm um grande potencial no futuro: a Rússia e o Brasil. A Rússia, desde o século 18, está entre as principais economias do planeta e tem dois ativos preciosos: território e população. Do Brasil podemos dizer a mesma coisa: temos um território gigantesco, o quinto maior do planeta; e a quinta maior população, somos mais de 210 milhões de habitantes deste imenso país. O que nos falta, então, para a criação extraordinária de riqueza neste país? Basta olhar o que aconteceu nos Estados Unidos e o que acontece hoje na China e na Índia, e em menor parte na Rússia. Precisamos de instituições verdadeiramente republicanas e democráticas, e precisamos de liberdade econômica, liberdade para empreender, produzir, comprar, vender, investir. Quando tivermos, junto com nosso território e população, instituições republicanas e democráticas somadas à liberdade econômica, ninguém segurará nosso país.
Dimitri Martins, mestre em Administração e especialista em Gestão Pública, é analista de Políticas Sociais no Ministério da Economia.