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| Foto: Christian Rizzi/Gazeta do Povo

Mário Henrique Simonsen, um dos mais sábios economistas brasileiros de todos os tempos, se não o maior de todos eles, malgrado ter prestado seus serviços a um período conturbado e de viés estatizante – o professor serviu ao governo de Ernesto Geisel, com suas reservas de mercado e reconhecida obstinação pelo monopólio da Petrobras –, já firmara diagnóstico preciso: “A inflação aleija. O câmbio mata”.

Dessa leitura, nós podemos dizer que um país que perde as suas divisas tem suas portas de entrada fechadas para o exterior. As importações cessam, os capitais afugentam-se, os negócios minguam. E, sem importações, certos setores da economia ficam paralisados. É uma hemiplegia econômica, acrescida do fato de que os capitais externos fogem inexoravelmente; como temos crônica insuficiência de poupança, seria forjar o caos do balanço de pagamentos e empurrar o desemprego ainda mais para diante...

Não se chega, porém, a uma crise cambial por obra e graça de geração espontânea. É preciso acumular muitos erros seguidos. Desarranjos macroeconômicos e fiscais, intervenções e voluntarismo na economia, descontrole inflacionário. Tudo isso contribui para que esse resultado viceje abundantemente. Essa receita descompensada foi usada fartamente pela família Kirchner na Argentina de tempos mais recentes, sob a égide do autoritarismo e da irresponsabilidade fiscal.

O país não se livrou mais do peronismo, que ainda hoje sobrevive do símbolo do seu criador

Deu no que deu. A Argentina que, entre os séculos 19 e 20, chegou a ser a Suíça das Américas, com suas exportações de carne e com a presença irradiante dos imigrantes italianos e espanhóis, teve seus laços culturais, sociais e econômicos dizimados bruscamente pela nova ordem política que se instalou sob o comando de Juan Domingo Perón, presidente de 1946 a 1955 e de 1973 a 1974. O seu governo de fundamentos populistas e aliciamento de lideranças sindicais enveredou por intervenções estatais nos domínios econômico, social e trabalhista, em grande semelhança com o regime fascista de Benito Mussolini, na Itália, e de Getúlio Vargas, no Brasil.

Desde então, o país não se livrou mais do peronismo, que ainda hoje sobrevive do símbolo do seu criador e da figura mítica de Evita Perón, navegando da esquerda à direita sem nenhum pudor, pois o que importa é o poder pelo poder.

A família Kirchner reverberou e cristalizou esse domínio. Nas últimas décadas, governar, no território argentino, significa pisar em chão movediço. Nem mesmo Raul Alfonsín, um brilhante advogado que, num interlúdio, chegou a Presidência sob a União Cívica Radical, partido oponente ao Partido Justicialista, peronista, conseguiu levar o seu governo a bom termo e, apesar das suas boas intenções e talento retórico, foi tragado pelos vícios da cultura política reinante.

Leia também: A agonia econômica da Argentina (editorial de 10 de setembro de 2018)

Leia também: Pátria Grande: A América Latina de ontem e hoje (artigo de Luís Felipe Machado de Genaro, publicado em 23 de dezembro de 2017)

As crises se sucedem. A anterior ocorreu sob a vigência do regime de currency board, que desmontou a possibilidade de se fazer política monetária, e pelo qual a moeda nacional foi atrelada ao dólar, com o mesmo formato e com paridade fixa (com a entrada de dólares, emitiam-se pesos na mesma proporção; com a saída de dólares, recolhiam-se os pesos, guardada a equivalência, e o comitê da moeda estava proibido de emprestar dinheiro ao governo e ao sistema bancário). Até que Carlos Menem, para prover a gastança de custeio, em pródigo protagonismo, elevou a dívida para patamares insustentáveis, mediante empréstimos internacionais; com a desvalorização cambial ocorrida no Brasil à época, esse sistema cambial desmoronou, e os argentinos viram inverter o fluxo comercial com o seu maior parceiro, o Brasil: de exportadores, passaram a importadores, pondo por terra o ufanismo de Domingo Cavallo, baluarte da engenharia econômica montada por seu país, sempre disposto a jactar-se da conversibilidade do peso.

Mauricio Macri, atual mandatário, em que pese a sua obstinação por eliminar os gargalos históricos do seu país, herdou essa pesada herança política e tenta promover mudanças a conta-gotas, sob a constante pressão política dos peronistas. Mas é muito difícil livrar-se dessas pressões sistemáticas, que dominam a cena política, e cujo empenho consiste em politizar as massas argentinas em torno de propostas e demandas inexequíveis. Qualquer semelhança com o PT é mero acerto de interpretação do leitor.

Irineu Berestinas é graduado em Ciências Sociais.
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