O relator da reforma política, deputado Vicente Cândido, do PT, apresentou na última terça-feira, dia 4, na Câmara dos Deputados, seu parecer para a tão esperada reforma política, a base de toda a transformação – e renovação – na forma como os brasileiros vão às urnas para escolher seus representantes. Entre os itens sugeridos, polêmicos ou nem tanto, a questão da lista fechada surge para corroborar a velha e sábia máxima do escritor italiano Tomasi di Lampedusa: “algo deve mudar para que tudo continue como está”. Segundo o relator, o sistema da lista fechada seria válido para as eleições de 2018 e 2022; ele parte do princípio de que o eleitor não votará mais no candidato de sua preferência, mas em uma lista definida pelos respectivos partidos.
É surpreendente, para não dizer intencionalmente desavergonhada, a tentativa da nossa classe política para manter as coisas como estão, num momento em que a sociedade brasileira se mobiliza justamente para mudar tudo isso que aí está. Ora, uma das mazelas mais explícitas do nosso sistema eleitoral, solidificada ao longo de toda a nossa história, é o caciquismo, o coronelismo, o mando de campo dos nossos partidos por lideranças, grupos políticos e famílias que vêm se eternizando no poder. Beneficiados pelas verbas partidárias e pelo financiamento das campanhas políticas (o cerne da maior operação de combate à corrupção no país, a Lava Jato), os controladores dos partidos elegem seus apaniguados sem qualquer respeito à democracia interna, renovação de líderes ou idoneidade dos candidatos.
Os controladores dos partidos elegem seus apaniguados sem qualquer respeito à democracia interna
Na outra ponta desse sistema estão as dificuldades absurdas, quase instransponíveis, que qualquer brasileiro comum, sem sobrenome ilustre, poder econômico ou religioso, enfrenta ao optar por candidatar-se a um cargo eleitoral, de vereador a presidente da República.
A lista fechada proposta pelo relator da reforma política vem simplesmente legalizar e oficializar esse engodo, que vai distanciar ainda mais o eleitor do seu candidato e a população, de suas lideranças preferenciais. Pior: é feita sob medida para manter no comando político-partidário as atuais lideranças atingidas pelas denúncias da Lava Jato e por outras operações de combate à corrupção, já que estarão protegidas pelo manto das respectivas legendas.
O aprimoramento da nossa jovem democracia passa pela transparência plena do processo eleitoral, a começar pelos partidos políticos, que é onde se aprende a defender ideias, a pensar em grupo, a decidir em equipe e, principalmente, a sacrificar o individual em nome do coletivo. Nunca em nome do mandatário-mor, nem do fundador ou do “dono” da legenda.
Como sociedade civil organizada, devemos nos mobilizar nesse momento junto aos nossos parlamentares para evitar mais essa armadilha que irá contra as mudanças preconizadas por todo o povo brasileiro. É o direito de escolha que está em jogo. E sem esse direito, mesmo correndo o risco de errar, nenhum povo amadurece para a autonomia e a interdependência, elementos essenciais da democracia.
Entidades paranaenses vêm debatendo a reforma política há mais de 15 anos, com sugestões específicas como a fidelidade partidária e a cláusula de barreira, ou de desempenho – esta última já aprovada em PEC no Senado. Nosso objetivo maior é o fortalecimento da democracia via partidos políticos com programas abrangentes e representativos. Se a Câmara aprovar a cláusula de barreira, dos atuais 27 partidos políticos com representação parlamentar, teríamos 13 ou 14, o que atingiria plenamente o arco ideológico da sociedade brasileira, tanto à esquerda como à direita.
Sem a cláusula de desempenho, e com os atuais pedidos de registro no TSE, chegaríamos a 50 ou mais legendas. Que governabilidade resistiria a um parlamento tão fragmentado? E numa eleição, com 50 partidos apresentando listas fechadas de candidatos, como o eleitor irá se situar, como vai separar o joio do trigo? A reforma política passa por todas essas questões e, sem transparência e um franco debate com a sociedade, corremos o sério risco de mudar tudo para não mudarmos nada.