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Opinião do dia 1

A arte como liberdade e resistência

A França e muitos outros países europeus comemoram anualmente o fim da 2.ª Guerra Mundial (1939–1945). No ano passado, que marcou os sessenta anos da rendição nazista (8.5.1945), a própria Alemanha participou oficialmente de eventos em memória das vítimas e a favor da convivência pacífica dos povos.

No corrente ano, entre variadas manifestações de liberdade e resistência, se destaca a exposição aberta no Museu do Luxemburgo, em Paris, de 26 de abril a 6 de agosto, sob o sugestivo título: "L’Envolée lyrique" ("O vôo lírico"). O texto de apresentação, assinado pelo presidente do Senado francês, Christian Poncelet, revela que a Casa Legislativa apoiou uma extraordinária iniciativa, um fecundo período de restauração dos sentimentos e ideais do pós-guerra e presta tributo a pintores que freqüentemente são reunidos sob a perspectiva de uma "abstração lírica". Atlan, Bazaine, Bissière, Bitran, Breyn, Debré, Fautrier, Francis, Gauthier, Guitet, Hantaï, Hartung, Manessier, Mathieu, Poliakoff, Reichel, Schneider, Soulages, de Staël, Vieira da Silva, Wols, Zao Wou-ki e tantos outros trouxeram nessa concepção uma forma bem francesa e muito próxima da tradição pictórica nacional, de pensamento abstrato e de emoção. O grande público está identificando esses artistas como generosa revelação de um conjunto que se poderá chamar a segunda escola de Paris e já desfrutando de imenso prestígio.

Para Poncelet, a exposição é relevante ao abrir oportunidade para dizer ao mundo a importância dos pintores e demonstrar que as instituições culturais francesas ainda não reconheceram o lugar que lhes é merecido. ("Soudain, l’art abstrait prend son envol").

O abstracionismo foi o movimento que se converteu em escola de pintura moderna na qual as formas e as cores nada representam, nada descrevem e nada narram figurativamente. No entanto, é uma das mais vibrantes manifestações artísticas da liberdade de imaginação e da infinitude da concepção humana.

A arte é uma das mais completas expressões de resistência ativa contra a intolerância e o abuso de poder de pessoas ou de governos. Um dos exemplos desse tipo heróico e eterno foi motivado pela denúncia das crueldades da Guerra Civil Espanhola (1936–1939), deflagrada pela ditadura franquista com o apoio das forças fascistas e nazistas que já haviam dominado a Itália (1922) e a Alemanha (1933). Pablo Picasso, nascido em Málaga, imortal pintor, escultor e humanista (1881–1973), estava em Paris quando soube do bombardeio na cidade de Guernica pelos fascistas, em 28 de abril de 1937. E para reagir, começou a pintar com emoção e fúria. Ele deixou como legado inesquecível as palavras que definiam o estado de espírito e o momento da criação: "O que vocês pensam que seja um artista? Um imbecil feito só de olhos, se é pintor; de ouvidos, se é músico; de coração em forma de lira, se é poeta, ou só de músculos, como se fosse um pugilista? Muito ao contrário, ele é ao mesmo tempo um ser político, alerta aos acontecimentos tristes, alegres, violentos e para os quais reage de todas as maneiras. Não, a pintura não existe para decorar apartamentos. É um instrumento de guerra para operações de defesa e ataque contra o inimigo". Como instrumentos para esse tipo de confronto ele usou o pincel, as tintas e a tela. E mostrou o terror, a tragédia e a dor provocados pela guerra, ao produzir uma obra monumental: Guernica. Executada para o Pavilhão da República Espanhola, na Exposição Internacional de Paris, em 1937, o painel tem as dimensões de 350 x 782 cm e constitui referência permanente contra a brutalidade da guerra. Nele está simbolizada a destruição de vidas humanas e de uma civilização com imagens de grande carga dramática. São figuras contorcidas, disformes e dissecadas, e de cores cinza, negro e branco.

Conta-se que o embaixador de Hitler em Paris, Otto Abetz, ficou tão impressionado com o quadro que perguntou a Picasso:

É obra sua? – Não, é de vocês, replicou o artista com frieza.

René Ariel Dotti, advogado, é professor universitário e membro da academia paranaense de letras; foi secretário de estado da Cultura.

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