Nada mais eficiente para assustar o cidadão comum europeu do que comparar uma religião "estrangeira" com ideologias totalitárias como o nazi-fascismo
O massacre de 77 noruegueses por Andres Breivik no último dia 22 de julho mostra uma faceta da Europa que muitos preferiam não ver: a da extrema direita radical em busca do resgate de uma Europa branca e cristã idealizada. Contudo, se fizermos uma análise de longa duração da História europeia, observaremos um longo período de paganismo, no qual escandinavos como os antepassados de Breivik adoravam Odin, depois há a ascensão do Cristianismo a partir do século IV, mas que só consegue realmente se estabelecer e esmagar os resquícios das antigas religiões com a força da Inquisição a partir do século XII, e o momento atual o qual muitos filósofos chegam a denominar de descristianização da Europa, tal a diminuição do papel da religião na vida das pessoas, o que pode ser observada no esvaziamento das igrejas e no aumento do número de europeus que se dizem agnósticos ou ateus.
Breivik na verdade não possuía razões concretas para se queixar dos imigrantes islâmicos. A taxa de desemprego na Noruega é de 4% e a população islâmica mal chega a 3%. Do mesmo modo vemos que os muçulmanos são uma pequena minoria em todos os países europeus, mas se tornaram um símbolo de todos os problemas do continente para os extremistas. O país com a maior população islâmica da Europa é a França, com 8% de muçulmanos. Em todos os demais países as porcentagens são menores. A islamofobia, porém, tem se arraigado na sociedade europeia servindo aos mais diversos propósitos.
Com o conflito na ex-Iugoslávia, difundiram-se, a partir da extrema direita radical, argumentos sérvios atacando a "islamização da Europa" e associando o islamismo ao nazismo. O resultado de tal ódio foi a "limpeza étnica" liderada por Slobodan Milosevic. Após os atentados de 11 de Setembro de 2001, os neoconservadores norte-americanos e a extrema direita israelense desencadearam uma luta contra o que chamavam de "islamofascismo". Nada mais eficiente para assustar o cidadão comum europeu do que comparar uma religião "estrangeira" com ideologias totalitárias como o nazifascismo.
Em outubro do ano passado a primeira-ministra alemã, Angela Merkel, afirmou que o multiculturalismo europeu fracassou, e um best-seller no país escrito pelo ex-membro do Banco Central alemão Thilo Sarrazin tentou provar com pretensos dados científicos a inferioridade genética dos muçulmanos e o "perigo" da substituição da "raça pura" alemã pelos "inferiores". Na França, Marine Le Pen, filha do líder de extrema direita Jean Marie Le Pen, propôs o fim do princípio do jus solis para obtenção da cidadania francesa e também comparou a imigração islâmica à ocupação nazista do país. Em 2009 a Suíça realizou com grande estardalhaço um referendo pela proibição da construção de minaretes (as cúpulas das mesquitas), por supostamente descaracterizarem a arquitetura local, e saiu vitorioso com 54% dos votos. Detalhe: a Suíça, com 4% de população islâmica possuía apenas quatro mesquitas com minaretes em todo o país. Uma piada, se não fosse verdade.
O racismo seja o que justifica a escravidão negra, a perseguição aos judeus ou a deportação de muçulmanos se baseia na oposição entre um grupo heterogêneo apresentado como homogêneo (os nacionais) e outra sociedade também heterogênea, mas apresentada como homogênea (os "Outros"), que são na visão dos racistas, todos iguais.
Criou-se o mito da "Eurábia", uma espécie de similar islamofóbico ao mito antissemita do "Protocolos dos Sábios de Sião", a ideia de que os muçulmanos possuem uma "bomba demográfica" com a qual conquistarão a Europa e descaracterizarão a cultura europeia. Esse conspiracionismo e esse horror ao outro se difundem mais facilmente quando são apresentados como a "resistência" contra uma "ocupação" ou a defesa de uma cultura. Assim, a islamofobia torna-se uma ideologia popular, um mito mobilizador que pode impulsionar a ação de pessoas como Breivik.
Andrew Traumann é professor do Curso de Relações Internacionais do Centro Universitário Curitiba.