O presidente uruguaio, Tabaré Vás-quez, deve se encontrará com o presidente Lula, para discutir a possibilidade de negociação de um acordo internacional entre o Uruguai e os Estados Unidos. Como o Brasil comanda atualmente o Mercosul, cuja presidência é rotativa, o Uruguai precisa, em princípio, de uma autorização do bloco antes de formalizar um acordo bilateral com outros países. A intenção uruguaia é obter esse OK até outubro, quando deverão prosseguir as negociações com os representantes norte-americanos.
Quem acompanha a evolução do Mercosul sabe que a iniciativa uruguaia de buscar parceiros extrabloco se deve à sua insatisfação com os resultados comerciais e com os conflitos que proliferaram ultimamente. Para várias lideranças no Uruguai, o Mercosul não tem trazido resultados políticos nem econômicos. Os investimentos provenientes dos parceiros regionais são pífios, persistem barreiras comerciais à entrada de seus produtos na Argentina e Brasil, e um importante contencioso com a Argentina sobre investimentos na indústria de celulose amargou a relação com seu vizinho.
Do lado norte-americano, o acordo com o Uruguai é mais uma das várias iniciativas de acordos bilaterais buscados recentemente. A autorização negociadora do presidente norte-americano expira em junho do ano que vem, e as autoridades comerciais daquele país vêm buscando firmar tantos tratados bilaterais quantos conseguirem. Em acordos bilaterais, o poder negociador dos EUA torna-se obviamente maior, levando à inclusão de cláusulas sobre investimentos e propriedade intelectual, dois temas preciosos para a diplomacia norte-americana. Só na América do Sul, os EUA estão concluindo acordos com o Equador, o Peru e a Colômbia, além do acordo já em vigor com o Chile.
Esses acordos evidentemente afetam os interesses comerciais do Brasil. Principal exportador regional de manufaturados, as empresas brasileiras correm o risco de sofrer desvio de comércio, em razão do tratamento mais favorável a produtos estadunidenses. No acordo com o Peru, por exemplo, os produtos dos EUA terão livre acesso a 77% do mercado, contra 7% liberado às exportações brasileiras.
Um acordo com o Uruguai seria ainda mais problemático, com possíveis impactos na triangulação de mercadorias e desvio de investimentos. Em tese, a melhor opção para se evitar esses problemas seria um acordo equilibrado entre o Mercosul e os EUA (nos moldes do acordo 4+1, de 1991), algo politicamente inviável após a entrada da Venezuela no Mercosul.
Há, ainda, problemas jurídicos que o Uruguai deverá superar. O país vizinho poderá tentar obter uma autorização (waiver) dos demais parceiros do Mercosul. Na realidade, o Uruguai já obteve uma autorização similar no passado para firmar acordo bilateral com o México. Outra alternativa seria não envolver concessões tarifárias num eventual acordo com os EUA, uma opção que poderia comprometer os resultados práticos de um acordo bilateral.
Em qualquer situação, e mesmo que os problemas técnico-jurídicos possam ser superados, o dilema uruguaio demonstra, sobretudo, o frágil compromisso político do Mercosul. A insatisfação dos sócios menores é sintomática da necessidade de reavivar os laços regionais em um projeto de longo prazo. Afinal, por repetidos que sejam as declarações presidenciais e os salamaleques diplomáticos, a integração regional somente se sustentará pela perspectiva de vantagens econômicas concretas.
Welber Barral é professor de Direito Internacional Econômico (UFSC); doutor em Direito Internacional pela USP e membro da lista de árbitros dos procedimentos de solução de controvérsias do Mercosul e da OMC; diretor do Instituto de Relações Internacionais (IRI); também autor de obras como "Dumping e Comércio Internacional", "Manual Prático de Defesa Comercial" e "O Brasil e a OMC" (Juruá, 2002).
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