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A caça aos biógrafos

O mundo está ameaçado por um calote que pode ter consequências devastadoras. O país descobre, a cada nova passeata, o quanto está distante das noções básicas de cidadania, civilidade e respeito às leis. E os meios artísticos e intelectuais estão à beira de um ataque de nervos por causa da proposta endossada por algumas celebridades da música popular para se exigir que as biografias sejam vistoriadas pelos biografados antes de impressas.

O default dos EUA (do inglês comportamento-padrão, falha, falência e, por extensão, calote) está sendo engendrado pelo delírio suicida da extrema-direita do Partido Republicano, que exige a anulação do programa de saúde do governo Obama, aprovado pelo Congresso e legalizado pela Suprema Corte. O Tea Party está propondo um golpe branco contra as instituições democráticas – uma ditadura.

O irrestrito apoio do Sindicato dos Professores do Rio de Janeiro – até agora considerado progressista – às ações antissociais e antidemocráticas dos black blocs nas manifestações de rua tem igual teor de irresponsabilidade. E a mesma insanidade: os formadores dos cidadãos de amanhã, além da inconcebível greve que já se estende por dois meses, estão propondo um motim permanente, o estado de insurreição, a baderna como instituição. Não querem o apoio dos pais das crianças nem da comunidade; querem aliar-se aos herdeiros das milícias que em 1922, nas ruas de Roma, e a partir de 1933, em toda a Alemanha e Áustria, instalaram o terror nazifascista.

A caça aos biógrafos proposta por duas empresárias de um grupo de maravilhosos artistas e intelectuais como Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Milton Nascimento, alinhados em torno de Roberto Carlos, escapa da esfera bacharelesca e do show business e ganha extraordinária ressonância porque seus representados são ícones da luta contra a censura e contra a ditadura militar que tantos malefícios trouxeram às nossas vidas e cultura.

A controvérsia sobre a institucionalização da biografia autorizada, chapa-branca – justamente por causa de seus protagonistas –, ganha esta incrível dimensão e impõe-se a emergências muito mais graves porque nenhuma contém tantas remissões e referências à tragédia instalada a partir de 1964.

A revolta dos biografados é uma tremenda injustiça às próprias biografias de artistas tão inspirados e corajosos. Quanto mais cedo abandonarem a canoa da arrogância, do delírio e, em alguns casos, também da cobiça, mais fácil se tornará a reconciliação.

O marketing inspirou a perniciosa proposta do grupo "Procure Saber"; o marketing será a sua principal vítima.

Biografia é coisa séria, trabalho de recuperação histórica, arte do reencontro, tem algo de sublime, simbólica. Quando Plutarco resolveu comparar as existências de grandes figuras romanas com os equivalentes da Grécia, não estava apenas criando uma obra monumental, Vidas Paralelas; estabelecia a noção de simbiose das civilizações.

Não existem biografias definitivas; assim como a vida, são incompletas, intermináveis. Mas esta caça aos biógrafos empurra os eventuais biografados para os braços da Inquisição.

Alberto Dines é jornalista.

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