O mês de agosto foi trágico para a Câmara Municipal de Curitiba pelas decisões que contribuíram para o estado agonizante em que se encontra, podendo levá-la à morte.
Entre as deliberações, uma foi decisiva para negar o papel autônomo de uma Câmara Municipal: a não aprovação da Comissão de Fiscalização do Transporte Coletivo de Curitiba, recomendada pela CPI do Transporte Coletivo, no seu relatório de 2013. Tal recomendação foi decorrente das inúmeras irregularidades encontradas nas investigações pós-licitação do transporte coletivo em 2010, além das dezenas de pedidos de indiciamento dos envolvidos nas irregularidades encontradas. É bom destacar que o atual presidente da Câmara, Serginho do Posto (PSDB), foi vice-presidente da referida CPI e o vereador Pier Petruzzielo (PTB), líder do atual prefeito e que votou pela aprovação do relatório final da CPI, orientou a bancada governista a rejeitar a instalação da Comissão de Fiscalização.
Estamos vivendo tempos sombrios de uma República às avessas
O que nos deixa pasmos foi o argumento utilizado: “não cabe à Câmara Municipal exercer tal fiscalização”, negando a natureza e o papel daquela casa legislativa cuja principal função é a fiscalização dos atos do Poder Executivo, que determina a política do transporte coletivo da capital. Como a sua posição de líder nada mais é do que obedecer cegamente o que determina o prefeito, Petruzzielo deu o tiro de misericórdia naquela casa de leis, colocando-a em leito de morte.
E tem mais: a maioria da Câmara vem da legislação anterior, que aprovou por ampla maioria o relatório final da CPI. Dá para entender esse suicídio coletivo? A população não acredita mais nos políticos e na política exatamente por ver que os parlamentares votam de acordo com seu próprio interesse. É o velho toma-lá-dá-cá ou “é dando que se recebe”! E o povo que votou nesses políticos perde a fé na democracia, violada pelo constante desrespeito à delegação de poder dada aos eleitos para exercerem o mandato em seu nome, na defesa dos seus direitos. Como é possível aceitar que quem elege não é consultado quando se trata de votar um projeto de seu interesse? Como se explica que, diante das consequências de tal decisão sobre a população, não tenha havido antes da votação um plebiscito para ouvir o povo sobre sua posição?
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Estamos vivendo tempos sombrios de uma República às avessas. República vem de res publica, onde tudo deve ser decidido publicamente, com transparência, à luz do dia. A decisão tomada pela Câmara, por 22 votos contra 10 da oposição, torna possível a interpretação de que a coisa pública há muito tem sido decidida em espaços privados, como deve ter acontecido naquele fatídico encontro do prefeito Rafael Greca com o maior empresário de ônibus da capital, no Graciosa Country Club, quando completava apenas três meses de mandato. O que acertaram lá não se sabe, pois só vimos a fotografia nas mídias sociais e até hoje nem o prefeito nem o empresário revelaram o teor da conversa. Mas, pelo resultado da votação na Câmara, é possível deduzir, já que o prefeito orientou seu líder na Câmara a rejeitar o projeto.
Diante do absurdo de tal decisão, que prejudica milhares de usuários do transporte coletivo, a quem recorrer para reverter tal deliberação? Mesmo com o descrédito que temos em relação ao aparato judiciário, que na maioria das vezes age contra os interesses dos mais necessitados de justiça, creio que cabe à bancada de oposição continuar a luta, seja buscando o Judiciário via MPPR, seja por ação direta na Justiça questionando o desrespeito ao poder do Legislativo, que foi flagrantemente negado ao não implantar uma decisão da CPI do Transporte, seja ampliando junto à população as denúncias sobre as consequências de tal decisão.