Um dos fatos mais importantes ocorridos na última semana foi a eleição de Michelle Bachelet para a presidência do Chile. Mesmo alavancada pela popularidade maciça do ex-presidente Ricardo Lagos, esta é a primeira vez que uma mulher chega ao cargo mais alto do Executivo num país da América Latina trilhando o caminho do voto. Do outro lado do mundo, na Libéria, notícia semelhante. Johnson-Sirleaf é a primeira chefe de Estado da África eleita nas urnas. As duas eleições são um golpe no preconceito e na discriminação de gênero, que ainda envergonham boa parte do planeta inclusive o Brasil. As brasileiras representam hoje 51% da população e do eleitorado do nosso país. Estão à frente de uma em cada quatro famílias, respondem por 42% da mão-de-obra no trabalho formal e 57% no trabalho informal. Mas não ocupam mais que 9% das cadeiras do Congresso Nacional e, apesar de terem um índice de escolaridade mais alto que o da população masculina, ganham, em média, 69,6% do rendimento recebido pelos homens. A discriminação no mercado de trabalho é só uma das facetas da violência e do preconceito que ainda fazem parte do dia-a-dia das mulheres, vítimas constantes de abuso, exploração sexual e agressões domésticas. Pesquisa da Fundação Perseu Abramo aponta dados impressionantes: a cada 15 segundos, uma mulher é agredida no Brasil; uma em cada três ou quatro meninas é abusada sexualmente antes de completar 18 anos.
A criação do Conselho Nacional de Defesa dos Direitos da Mulher, 20 anos atrás, foi uma conquista importante, assim como a Constituição de 1988 que incorporou a maioria das reivindicações da Carta das Mulheres , a criação da Secretaria de Estado dos Direitos das Mulheres, em 2002, e da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, com status de Ministério, em 2003. Como ministro da Justiça, fiz questão de reforçar o papel do Conselho. Como senador, tenho estado atento à luta pelos direitos da mulher. Exemplo recente é nosso apoio à proposta de licença-maternidade para mães adotivas, iniciativa da senadora Maria do Carmo aprovada em segundo turno pelo Senado na semana passada. Mas não basta termos leis avançadas. Precisamos de políticas públicas claras, efetivas, em prol da mulher. No caso da violência, apesar dos avanços conquistados a partir dos movimentos femininos e de mulheres, ainda falta muito para que os órgãos de serviço social e a rede pública de saúde estejam devidamente preparados para atender as vítimas de agressão. As mulheres agredidas precisam ter garantia de proteção e certeza de que a denúncia terá, efetivamente, resultado. Ao Congresso, cabe aprovar o projeto que cria mecanismos de combate e prevenção à violência doméstica familiar contra a mulher. E a todos nós, rechaçar qualquer forma de discriminação.
A eleição de Michelle Bachellet e de Johnson-Sirleaf são um passo importante para solidificar o respeito à capacidade das mulheres e à efetiva participação feminina no poder político. Um passo mais importante, ainda, diante dos enormes desafios que as duas dirigentes têm pela frente: na Libéria, a reconstrução do país destroçado pela guerra civil e, no Chile, o combate à alarmante desigualdade social. O Brasil tem, assim, motivos de sobra para acompanhar a trajetória da nova presidente chilena. O país mais rico da América Latina, com índices de crescimento invejáveis diante de nossos pífios 2,6%, tem de enfrentar problemas que conhecemos bem de perto uma pobreza descontrolada e uma concentração de renda absurda. Quem sabe o olhar feminino de Michelle Bachelet não possa lançar novas luzes na solução desses antigos desafios.