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Tive um tio, Jarbas Jobim, um homem boníssimo e acima de tudo bem-humorado que era comandante da Marinha Mercante. Como minha tia Malvina era muito religiosa, ele gostava de provocá-la contando o caso do marinheiro evangélico da tripulação de uns dos navios que comandou. Quando o navio atracava, a turma toda ia em busca de diversão e todo mundo conhece o que os marinheiros chamam de diversão. O marinheiro evangélico se recusava terminantemente a acompanhar os colegas até que, depois de muita insistência, em uma escala em Paranaguá, aceitou ir tomar "só uma cervejinha", nada mais. Às seis da manhã do dia seguinte, Tio Jarbas, já em pé no convés, vê uma figura totalmente bêbada, amparada por duas damas da noite sorridentes se aproximando cambaleando pelo cais e que olhou para ele e gritou: "Comandante, como é bom ser herege!"

Passei por Las Vegas a caminho de Los Angeles e parece que o universo se reúne ali para gritar aos quatro ventos: como é bom ser herege! Las Vegas é a Sin City, a Cidade do Pecado, onde não existe pecado daquele lado do Equador. Com exceção das drogas, o resto vale. Só que – e aí não é uma desculpa antecipada – não é preciso ser muito pecaminoso para se divertir enormemente na Sin City. Onde é que você, comportado leitor, viu uma noiva, o noivo e os padrinhos paramentados, passando em procissão por dentro de um cassino a caminho da capela, que, aliás, funciona dentro do próprio cassino? Ou uma comportada esposa enfiada em uma burka apenas com os olhos visíveis esperando seu marido ao lado de uma mesa de dados, mas sem tirar os olhos de um smartphone e carregando um pacote da Nike?

Las Vegas é o único lugar que conheço que tem uma rua com ar condicionado, a Fremont, umidificadores nas calçadas que aspergem uma nuvem fina de água fria para combater os 45 graus de temperatura e escadas rolantes para acessar os viadutos de pedestres nos cruzamentos. E que tem capelas de casamento Drive Through – não é exagero, o Google não me deixa mentir – em que o casal não precisa sair do carro para ser solenemente casado por um juiz de paz credenciado pelo Estado de Nevada. Um plano estratégico elaborado há trinta anos e executado com aquele rigor técnico que distingue a turma daqui criou uma destinação familiar onde havia apenas uma atividade reprovável socialmente, o jogo. Las Vegas tem 125 mil quartos de hotel e recebe 38 milhões de turistas por ano e o que era no passado um local de péssima reputação, transformou-se graças às campanhas anti-Máfia (senadores Estes Kefauver e Robert Kennedy) e bilhões de dólares em investimentos em o segundo destino turístico mais procurado nos Estados Unidos e terceiro no mundo.

O que acontece em Vegas fica em Vegas, diz o slogan (ou acaba no Facebook, dizem os mais modernos). Mas convenhamos: pecado por pecado, a Sin City é muito mais divertida e menos prejudicial à saúde geral do que o Sin Country, com esses inacreditáveis Carlinhos Cachoeira, Ricardo Teixeira e Jean Marie Faustin Godefroid Havelange.

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do doutorado em Administração da PUCPR.

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