A compra por parte do governo brasileiro dos caças franceses, o Dassault Rafale, para Força Aérea Brasileira, apresenta, além de argumentos a favor e contra esta aquisição, uma questão de natureza jurídica.
Ao que parece, a opinião pública debate, de forma geral, se o embasamento do Planalto para a compra foi, ou não, suficiente para a escolha. E, ainda, se isso justifica o considerável valor a maior a ser pago e outros relevantes aspectos técnicos, sociais e políticos.
Juridicamente, entendemos ser salutar o debate para dizer se foram observadas as normas de Direito Público aplicáveis, mais especificamente à matéria de licitações e contratos administrativos, especialmente o princípio da vantajosidade e, de forma mais geral, o princípio processual da motivação.
Quanto ao princípio da motivação dos atos administrativos, este se encontra de forma difusa e implicitamente previsto na Constituição Federal, posto que a transparência e a exposição clara e completa de motivos é pressuposto nos estados democráticos de Direito.
Apesar da falta de disposição expressa na Constituição, leis posteriores trataram de suprir tal falha, como a Lei Federal de Processo Administrativo e a Constituição Paulista.
Entendemos que a motivação do ato administrativo é, como regra, inafastável, pois constitui garantia de legalidade, tanto com relação aos interessados quanto ao poder público, pois permite a fiscalização, a qualquer momento, da legalidade do ato em questão.
Quando o poder público pretende utilizar-se do erário, do dinheiro público, para contratar visando determinada obra, serviço ou bem, ele se submete, em princípio, ao regime jurídico das licitações e contratos administrativos. Ou seja, deve seguir as normas da Lei das Licitações, que tem como seus princípios-macro: a garantia de isonomia de tratamento entre os licitantes; a sujeição à da legalidade e a busca pela proposta mais vantajosa.
A vantajosidade determinada na Lei das Licitações espelha basicamente a busca por contratação que seja tanto economicamente mais vantajosa quanto que assim o seja qualitativamente (melhor gasto). Contudo, vale ressaltar que a lei privilegia o menor preço, sugerindo como regra.
Outra regra fundamental nas contratações da administração pública é a obrigatoriedade da licitação para efetuá-las, sendo que a dispensa de licitação e a inexigibilidade de licitação são exceções.
A dispensa afasta a necessidade de licitação nos casos previstos em lei, enquanto que a inexigibilidade decorre da inviabilidade de competição, ou seja, quando apenas determinada empresa ou profissional seja apto à prestação de que a administração pública necessite.
No caso da compra dos caças, houve dispensa de licitação, nos termos do inciso 24, inciso 28, "para o fornecimento de bens e serviços, produzidos ou prestados no país, que envolvam, cumulativamente, alta complexidade tecnológica e defesa nacional, mediante parecer de comissão especialmente designada pela autoridade máxima do órgão".
Desta forma, muito embora a motivação seja, inafastável nos atos da administração pública, verifica-se que há obrigatoriedade de parecer técnico apto a justificar a dispensa em questão. A sua ausência ou deficiência pode tornar o ato em questão viciado, ao ponto de poder ser considerado nulo de pleno direito.
Neste caso, houve parecer da FAB, elencando elementos econômicos, técnicos e sociais que propugnaram pela aquisição do caça Saab Gripen, da Suécia. Como as decisões neste caso são vinculadas a parecer técnico, sem se tomar partido quanto ao acerto do governo federal na refutação desse documento, esta deve, no mínimo, superar os argumentos em contrário e conter elementos evidenciem a vantagem ao interesse público na contratação.
E que tais elementos sejam disponibilizados para controle e fiscalização da sociedade e dos poderes constituídos.
Carlos Eduardo Moreira Valentim, mestrando em Direito pela PUC-SP, é especialista em Direito Administrativo
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