Agora estão na pauta o vandalismo, a radicalização, o recurso fácil à baderna, o auê. No conjunto de perplexidades produzidas pelas jornadas de junho, a mais recente tem a ver com a drástica mudança ocorrida nos paradigmas das manifestações: há dois meses os protestos primavam pela forma pacífica; violência era exceção. Neste exato momento, o ponto de partida é o confronto e o resto, imponderável.
Alguma coisa aconteceu em nosso modo de convívio para que fossem suprimidas as etapas intermediárias do processo de divergir. Do desacordo à desavença é um passo; o debate como parte essencial do diálogo evaporou. Uma hostilidade entranhou-se em nossa vida e passou a deformar perigosamente nossa maneira de raciocinar penso, logo brigo, só existo enquanto antípoda, meu gesto primal é a estocada, o murro.
Já falamos aqui sobre o espírito Fla-Flu que contaminou nossa forma de relacionar-se com os outros. Essa forma rústica de pertencimento e identidade fermentou, adensou-se e converteu uma sociedade que se imaginava cordial (e às vezes parecia ser) num continente de tribos não apenas adversárias, mas ostensivamente canibais.
O corporativismo explica alguma coisa, mas não explica tudo. O sumiço dos grandes narradores contribui para o desnorteamento e a fanatização dos grupos. A fragmentação da informação fragmenta o conhecimento, o entendimento, as percepções. O culto do espetáculo simplifica as soluções e facilita a demonização.
O resultado é a exaltação. Tomar partido equivale a entregar-se à fúria e, com isso, os próprios partidos deixam de ser expressão de ideias e se transformam em meros ginásios de artes marciais. Religião, ciências, atendimento médico, educação, transportes públicos, futebol, ecologia, transparência, corrupção, formação de quadrilhas e cartéis, embargos infringentes, vida coletiva, mídia ninja tudo se partidariza, se politiza, se estreita, vira ofensa, estupidez, estultícia.
Se um eventual debate sobre a despenalização da maconha for levado ao formidável triturador partidário hoje instalado no país, fortalecem-se todos os tabus. Adeus, experimentações e inovação.
O resto deste 2013 precisa ser reservado ao debate, preservado para argumentação e persuasão. Carecemos de Unidades de Pacificação em cada um de nossos cenáculos; só assim as manifestações de rua voltarão ao que foram. Só assim esvazia-se a compulsão do arranca-rabo e se encerra o ciclo de quebra-quebras.
Alberto Dines é jornalista.