CARREGANDO :)

Outro dia ouvi uma das maiores confissões de amor que as mulheres podem fazer aos homens. E isso anda raro em meio a tantas tensões que rasgam o mundo dos afetos nesse espaço do contemporâneo.

Imagine você ouvir duas mulheres inteligentes e lindas, uma loira e outra morena, falando para você, ao mesmo tempo, como “detestam” o fato de não conseguirem parar de gostar de homens. Ao lado do tema específico dessa “confissão de amor” ao sexo masculino, mas intrinsecamente ligada a ela, foi a afirmação de uma delas que só gente desavisada acredita que exista uma coisa chamada “opção sexual”.

Publicidade

E aí uma das minhas interlocutoras fez uma afirmação muito importante para épocas de delírios de gênero como a nossa, como se identidade sexual fosse algo como escolher marca de desodorante: sexualidade é condição, não escolha.

E por que ela disse isso? Aí vem a confissão: qual mulher, se pudesse, escolheria gostar de um “traste” como o homem? Os adjetivos são conhecidos (alguns deles, não sem razão): egoísta, narcisista, mulherengo, mentiroso, dependente da mulher a vida inteira, e por aí vai...

Neste instante, me lembro de uma conversa com um Exu –cujos trechos inclusive narrei nesta coluna há alguns anos–, Seu Catatumba, que, como todo Exu, é um especialista em mulher. Quando perguntado pela causa de sua morte, ele respondeu: “Morri de mulher... marido traído”.

Segundo nosso sábio, quando uma mulher chora diante de alguém que ela ama, ela pode sim estar feliz; quando ri, ela pode sim estar triste. “Linhas retas” não são o elemento natural numa mulher, seja no corpo, seja na alma. Ou seja, Descartes (1596-1650) aqui de nada serve, melhor Pascal (1623-1662): “O coração tem razões que a própria razão desconhece”.

Aqui, retorno para as minha colegas de trabalho. Claro que eu estava diante de uma confissão de amor enlouquecido pelos homens. Uma alma superficial pode duvidar do que eu estou dizendo. Uma mulher, e sua natureza voltada ao detalhe e ao oblíquo, bem sabe que o que eu estou dizendo é a pura verdade.

Publicidade

Quanto mais elas, na sua beleza natural, “desciam o cacete” nos homens, na minha frente e de outro colega, mais ficava claro a “condição sexual” a qual uma delas fizera referência.

Acredito que a fala dessas duas mulheres sobre a “condição do gosto” deveria iluminar muito psicólogo e sociólogo por aí, que parecem estar investindo na pura e simples aniquilação dessa diferença sexual que move a espécie desde a mais distante ancestralidade. Por que tanto ódio ao sexo?

Dizer que se ama algo como “condição” e não como escolha é dizer numa palavra tudo que precisa ser dito “contra” o blablablá geral que tomou conta do debate sobre sexualidade nas últimas décadas. Reconhecer como condição algo que não é escolha é reconhecer a mais profunda natureza do desejo humano.

E de onde vem essa bobagem toda que nega a condição humana (sexual incluída)? Como sempre, de muitas causas, mas podemos citar duas, pelo menos. Ambas ligadas uma a outra, claro.

Seguramente, uma das causas, no plano ético e político, é esse homem “irreal”, derivado dos delírios do filósofo inglês John Stuart Mill (1806-1873). Liberal e utilitarista, Stuart Mill imaginava um homem “livre” escolhendo a sua volta, com o mínimo de interferência possível do passado, dos preconceitos e dos limites à capacidade humana de fazer “escolhas racionais”, conceito tão caro aos utilitaristas. Daí, com um pouco de esforço e imaginação, chegamos à ideia de que sexualidade se escolhe assim como quem escolhe a cor de uma calça.

Publicidade

Diretamente ligada a esta causa, uma mais econômica e comportamental, talvez causa da primeira citada acima, se pensarmos segundo o materialismo social de Marx, é a própria sociedade de consumo: todos somos consumidores que exercitamos nossa liberdade de escolha.

Pra deixar esse “bobo do consumo” feliz, dizemos pra ele que, na vida sexual e em outros tantos terrenos onde sofremos, nada é condição, mas sim tudo é escolha e construção social.

Posso ainda ouvir as risadas das duas lindas.

Luiz Felipe Pondé, escritor, filósofo e ensaísta, é doutor em Filosofia pela USP e professor do Departamento de Teologia da PUC-SP e da Faculdade de Comunicação da Faap.