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A conta que rico não faz: uma análise do Bolsa Família do governo Lula

(Foto: Unsplash)

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As políticas assistenciais são essenciais em qualquer nação desenvolvida ou em desenvolvimento. Tratando-se do Brasil, um país que debate os métodos de combate à fome constantemente não poderia ser diferente. Recentemente a equipe de Lula realizou o “pente fino” no Auxílio Brasil, renomeado novamente de Bolsa Família. O programa que se fez presente em toda a última campanha eleitoral à Presidência da República. Ocorre que o “pente fino” que associou diversos mecanismos de buscas nas rendas familiares intensificaram as falhas já existentes e aumentaram as subjetividades nas análises.

O título deste artigo não visa acirrar o “nós contra eles”, entre ricos e pobres. O fato de rico não fazer determinadas contas é pelo simples motivo de não precisarem. O extinto Auxílio Brasil concedia R$ 600,00 às famílias de baixa renda, não ameaçando o bloqueio em caso de empregabilidade alcançada pelo beneficiário. E, segundo o ex-ministro Paulo Guedes, o cidadão teria em caso de reeleição do governo Bolsonaro, um acréscimo de incentivo de R$ 200 ao responsável familiar. Já no caso do atual governo Lula, o benefício, ainda que com nome modificado, manteve R$ 600 e acrescentou R$ 150 para famílias com menores de idade em fase escolar e com comprovante de vacinação em dia, e mais R$ 50 para crianças/jovens de 7 a 17 anos. Porém, excluiu todos os beneficiários que estão com carteira assinada, causando uma grandiosa controvérsia nos quesitos prosperidade e independência, contribuindo com o aumento do cenário de desemprego no país.

O título deste artigo não visa acirrar o “nós contra eles”, entre ricos e pobres. O fato de rico não fazer determinadas contas é pelo simples motivo de não precisarem.

Não é necessário ser um entendedor de políticas econômicas em diversas vertentes para uma conta simples. O sujeito que, por exemplo, é um pai de família, com esposa e três filhos (todos com idade entre 7 a 17 anos), ele possui R$ 600 (Bolsa Família) + R$ 800 (adicional ao Bolsa Família), totalizando o valor de R$ 1.200, sem precisar trabalhar. Suponhamos que este mesmo cidadão receba uma proposta de trabalho para atuar no setor comércio/serviços, trabalhando de 8h às 18h, para ganhar 1 (um) salário mínimo de R$ 1.302. Em caso em concordância ele perderá automaticamente os R$ 1.200 do benefício social e trocará 10 horas do seu dia para vender sua força de trabalho para o patrão, enquanto estas horas poderiam estar empenhadas em algum empreendimento não registrado em CLT, consequentemente não havendo rastreamento que ocasionasse o bloqueio do Bolsa Família. Obviamente que pobre faz essa conta e está absolutamente certo e coberto de legalidade.

Vamos além: considere que o exemplificado sujeito X é casado, mas não declara que reside com a cônjuge, logo, ela não está compondo o cadastro de moradia da família. Acontece que na prática eles residem juntos e ela possui renda fixa, seja por CLT ou não. Tomemos por hipótese apenas 1 (um) salário mínimo: R$ 1.302 dividido por 5 = R$ 260,40, ou seja, fora da regra para obtenção do benefício que estabelece “limite de 218,00 por membro familiar”. A matemática não tem ideologia. O que nos cabe é a opção de questionar os aspectos morais, a tecnicidade de avaliação e os enfrentamentos às barreiras do enriquecimento.

Um liberal clássico verifica como avanço social e econômico o melhor dos programas, ou seja, o retorno financeiro através do trabalho.

Agora, convocamos o exemplo do sujeito Y – um estudante universitário, com bolsa assistencial e de iniciação científica. Em geral, uma bolsa de apoio estudantil circula em média de R$ 500 podendo chegar a aproximadamente R$ 750 (incluindo transporte), lembrando que o acadêmico não precisa, necessariamente, frequentaras aulas diariamente, o cálculo não é feito por crédito e sim por diária. Já no caso de uma bolsa CAPES, iniciação científica, monitoria, entre muitas outras existentes na esfera das cátedras, circulam em valores médios de também R$ 5000, isto numa relação entre aluno e universidade no campo da graduação. Neste ponto já temos o valor, contando por baixo, de R$ 1.100.

O sujeito Y, em suas horas vagas trabalha como freelance em qualquer atividade, conseguindo alcançar qualquer cifra. O cidadão declara que reside apenas com os pais, sua mãe trabalha como autônoma e seu pai na mesma modalidade. Através do canal oficial do INSS, imprimindo o extrato de contribuição CNIS, não constará vínculo empregatício de nenhum de seus parentes citados, então, para nossos degradantes e vigilantes governamentais, estes cidadãos estão na linha extrema da pobreza.

Nos casos de acadêmicos que obtém bolsas de mestrado com valores muito acima de graduandos, não é permitido através das regras universitárias que o discente possua vínculo empregatício, sem deixarmos de evocar a possibilidade de mais de um bolsista no mesmo logradouro. Desta maneira, bastam declarar-se no CRAS como indivíduos sem empregabilidade que, consequentemente, possuirão o assistencialismo, cada um com R$ 600, desde que não assumam a mesma residência no cadastro. E, mais, os estudantes também podem ser pais, assim obterão mais R$ 150 e o complemento de R$ 50. Não para por aí; havendo algum empreendedorismo ou trabalho extra sem registro oficial (CLT, MEI etc.) as rendas aumentam, claramente ficando muitíssima acima da regra de aferição.

É muito incoerente bloquear benefícios de pessoas que não burlaram o sistema.

Diversos casos concretos podem ser explanados neste artigo, e meu objetivo é, além da investigação, estimular a reflexão e indagação de como este cruzamento de dados é falho desde sua origem. É muito incoerente bloquear benefícios de pessoas que não burlaram o sistema e não cobrar o trabalho de assistentes sociais em parceria com o ministério responsável, visando aprofundar nas reais situações financeiras dos brasileiros.

Hoje, com raras exceções, todos os brasileiros que possuem em sua moradia um familiar ativo no BPC (Benefício de Prestação Continuada) têm seu benefício Bolsa Família bloqueado ou cancelado, aguçando o “empreendedorismo” de fragmentação dos membros familiares no núcleo residencial. É matemática. É a sobrevivência em disputa com o sistema. Trata-se de um Brasil de slogans “União e Reconstrução” ou rebobinado de “O Brasil Voltou”. Infelizmente muitas uniões, reconstruções e retornos são ruins.

Como medida de prevenção, sabendo da típica retaliação dos apoiadores petistas e dos asseclas que fizeram o “L”, adianto que críticas em relação aos critérios assistencialistas do governo anterior também foram alvo de artigo, neste mesmo veículo, sob título “Os Erros do Auxílio Emergencial”. Embora a publicação tenha ocorrido em contexto diferente, dentro de um cenário pandêmico, mantém o mesmo caráter de lealdade com os fatos, analisando as falhas do programa da época.

Um liberal clássico verifica como avanço social e econômico o melhor dos programas, ou seja, o retorno financeiro através do trabalho, seja pelo emprego na relação organizada entre patrão e empregado, ou pelo caráter empreendedor, colocando a rede privada como a maior fonte de magnificência, alocando o Estado sempre como o agente mantenedor dos elementos básicos de fornecimento – saneamento básico, segurança, educação e saúde, mesmo que ainda caibam debates sobre privatizações pontuais.

Mesmo consciente da importância na discussão sociológica e filosófica sobre o tema abordado, não espero do leitor uma catalogação direitista, liberal, conservadora, ou qualquer outra. A questão fundamental é que não há nada que legitime esta medida, realizada por Wellington Dias, atual ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome do Brasil.

O governo Bolsonaro, através dos ex-ministros Onyx Lorenzoni e posteriormente com João Roma, do extinto Ministério da Cidadania, com o aval extremamente técnico do ex-ministro da Economia Paulo Guedes, quando falhou, foi pelo excesso. Enquanto o atual governo Lula, quando erra, erra muito pela falta, falta de tudo que ascende o brasileiro.

Dinho Ferrarezi é jornalista.

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