Anos atrás, visitando o câmpus da UnB (Universidade de Brasília) com uma professora norte-americana, perguntei qual a diferença da paisagem arquitetônica do nosso câmpus para um câmpus nos Estados Unidos. Esperei que dissesse: "São parecidos". Mas, depois de olhar ao redor, ela disse: "Não têm negros". Respondi que no Brasil, como também nos EUA, os negros não têm boas escolas na educação de base. Ela perguntou: "Por que não adotam cota para negros, como nos EUA?".

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Depois de nove anos de adotada pela UnB, as cotas raciais foram reconhecidas como legais pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Nesse período, 3 mil alunos foram admitidos pela cota racial na UnB e mil concluíram seus cursos, graças ao ingresso usando as cotas.

Apesar disso, por quase 20 anos, um intenso debate vem sendo feito entre os que são a favor e os que são contrários a esse sistema, porque até hoje não houve entendimento correto do instituto das cotas raciais e seu propósito, nem entre os favoráveis, nem entre os opositores.

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Temos bons jogadores de futebol negros porque a bola é redonda para todos, mas nossas escolas são redondas apenas para os poucos que têm renda para cursar uma boa escola no ensino fundamental e no ensino médio. Mas para fazer todas nossas escolas redondas, com qualidade, e dar resultado na mudança da cor da cara da elite serão necessários 20 anos. Isso se nós estivéssemos fazendo hoje o nosso dever de casa para mudar a educação. E não estamos.

Tanto os que são contrários às cotas raciais, quanto aqueles favoráveis, enfocam o assunto pelo lado individualista de oferecer uma escada social a um jovem negro. Continuam pensando que as cotas visam beneficiar o aluno que obtém a vaga. Não percebem o papel da cota racial como o caminho para o Brasil apresentar com orgulho uma sociedade com elite tão multirracial quanto seu povo.

A cota social beneficia o aluno, a cota racial beneficia o Brasil, possibilitando o ingresso de jovens negros na carreira profissional de nível superior. Certamente jovens escolhidos entre aqueles de classe média, que concluíram o ensino médio e passaram no vestibular porque foram bem preparados em uma boa escola, portanto provavelmente não pobres. Serão pessoalmente beneficiados, mas prestarão um serviço patriótico ao ajudarem, pelo estudo, a mudar a cor da cara da elite brasileira.

A cota racial para a universidade nada tem a ver com a cota social. Essa atenderia jovens pobres para compensá-los pelo que lhes negamos na infância. É um benefício justo; a cota racial não é um assunto de justiça, é um assunto de dignidade nacional; não é social, é patriótica.

Os que lutam pela cota racial nas universidades não lutam pela erradicação do analfabetismo entre adultos negros, nem para que os negros pobres tenham escolas com a mesma qualidade dos ricos brancos. E aqueles que defendem as cotas sociais no lugar das raciais não defendem cotas sociais no ensino fundamental e médio, nos colégios federais e mesmo nas escolas particulares de qualidade. Esta sim seria cota social. A cota social na Educação de Base nunca atraiu os defensores da cota racial nem aqueles que se opõem a ela e que usam a ideia de social contra a de racial. Os que defendem cotas sociais para as universidades, em vez das cotas raciais, provavelmente ficarão contra as cotas sociais nas boas escolas da educação de base, obrigando as escolas caras a receberem alunos pobres, sem mensalidade ou com uma bolsa do tipo Prouni.

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Cristovam Buarque, professor da UnB, é senador pelo PDT-DF.