Em todas as manchetes dos jornais sobre corrupção, há uma que não aparece nem na capa nem no miolo, nem a Polícia Federal abriu-lhe um inquérito, nem houve passeatas e mobilizações populares contra ela. Mas sua presença é tal que ninguém poderia dizer que ela não existe ou que não sofreu suas consequências; trata-se da corrupção da linguagem brasileira.
Hoje em dia, graças à popularidade acadêmica do pensamento de Marcos Bagno, exigir o domínio da língua culta é preconceito. Traduzindo para a realidade, ter uma língua formal e universal que pode ser compreendida por todos os membros de uma comunidade (gigantesca, no caso da brasileira) e exigir que esta mesma língua seja estudada e aprendida por estes mesmos membros é preconceito, discriminação. Se você tem dúvidas dos perigos desse pensamento, sugiro ler a crítica de José Maria e Silva feita no jornal Opção .
Não há nada mais próprio do ser humano que a capacidade de falar e de escrever articuladamente
A confusão gerada pelo livro Preconceito linguístico, de Bagno, parece ter paralisado a mente dos professores, seja pelo trabalho exaustivo em desmentir erro por erro, seja pelo medo de ser taxado como um maldito preconceituoso-capitalista-opressor-patriarcal-sei lá o quê mais. O fato é que é tese “pegou”.
Entretanto, não há nada mais próprio do ser humano que a capacidade de falar e de escrever articuladamente. Com a palavra podemos fazer juramentos num tribunal, procurar a verdade sobre as coisas, escrever uma bela história, ensinar, cantar, ou simplesmente convidar a namorada a ir ao cinema. Quanto mais dominarmos os instrumentos de expressão do nosso idioma, mais capacidade de ação ganhamos.
Mas não só isso: uma língua bem desenvolvida é capaz de captar sutilezas de pensamento e inserir o homem numa comunidade de valores que o transcende e, por isso mesmo, enraíza-o na cultura à qual pertence. Mas tudo isso é negado ao aluno de hoje em troca de um afago barato: que falar e escrever errado não é ruim, que ele pode bocejar na carteira, botar um fone de ouvido com seu rap preferido e cruzar os braços. No fim do ano, será empurrado para a série seguinte. Quem ousará discriminar o aluno?
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Depois, esse mesmo aluno terá dificuldades imensas no trabalho, não conseguirá produzir um e-mail de modo satisfatório, nem compreenderá algum quando o receber; tampouco terá a consciência de que um aviso na parede é algo para ser lido e cumprido. O jovem, ainda, sem literatura, sair-se-á frustrado com a vida, com a falta de perspectivas, de ideais.
O “preconceito linguístico” é só mais uma das ideias tortas que contribuem para nosso empobrecimento cultural e social. Quando, afinal, a academia vai parar de incensá-la e começar a se preocupar de verdade com o ensino?
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