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Uma multidão de autoridades encontrou, parece, um culpado para os males da corrupção e de suas sequelas no país: a Operação Lava Jato. Do presidente da República, Jair Bolsonaro, a ministros da República, senadores, deputados federais e estaduais, ministros do Supremo Tribunal Federal, componentes de outros tribunais, procuradorias, todos apontam o dedo para a culpa da Lava Jato em tentar desvendar crimes de corrupção e suas ligações no Brasil e no exterior.
Definitivamente, parece que a corrupção e o crime em todas as variantes valem a pena no Brasil. Uma das únicas operações federais que começaram, nos últimos seis anos, a resgatar a esperança dos brasileiros foi a Lava Jato, com mais de mil mandados de busca e apreensão, de prisão temporária, de prisão preventiva e de condução coercitiva.
A operação levou às grades um ex-presidente da República, ex-presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado, ex-governadores de estados, prendeu altos executivos de grandes empresas, desbaratou quadrilhas dentro e fora do poder, denunciou valores investidos pelo poder público em obras controversas em outros países, denunciou os altos valores pagos a advogados de réus levados à Justiça pela operação.
Enfim, o chamado “crime de colarinho branco” deixou de ficar impune, algo impensável nesse país onde somente pobres vão para a cadeia.
Com a Lava Jato, o sentimento de patriotismo e orgulho de ser brasileiro foi reanimado. Saímos às ruas em total apoio ao combate à corrupção, foi a redenção do Brasil. Parecia, enfim, que todo brasileiro, toda pessoa de bem, investida de alguma autoridade ou não, lutava com um objetivo comum: o fim da corrupção e a prisão para os envolvidos em todos os crimes. Mas apenas parecia.
Quando menos se esperava e, também, de onde menos se imaginava veio uma carga extremamente forte contra esse objetivo de justiça, minimizando a herança do juiz Sergio Moro, de outros juízes e da Polícia Federal. Claro que dos poderes Executivo e Legislativo se esperaria reações adversas a uma operação que, em termos populares, “colocava o rei nu”. Mas veio, também, justamente de onde menos se poderia supor: do Judiciário. Juízes, magistrados, OAB, o próprio STF, Procuradoria-Geral da República, todos, sem exceção, detonaram carga pesada para desmantelar a Lava Jato.
Poucos em todos os poderes, inclusive no Judiciário, saíram em defesa de uma operação que já teve praticamente o apoio unânime do país, à exceção, óbvio, dos criminosos de “colarinho branco” e de seus advogados.
Aliás, é preciso se fazer justiça: o senador Alvaro Dias (Podemos-PR) é uma das vozes que defendem intransigentemente a Lava Jato no Congresso Nacional. Dias, durante a última campanha para a Presidência da República, frisava que, eleito, seu ministro da Justiça seria Sergio Moro.
Bolsonaro também convidou Moro, que virou ministro da Justiça, envolto em grande sucesso midiático. Não adiantou. Acabou saindo do ministério, naquilo que já desenhava um futuro pouco inglório para a Operação Lava Jato. Um outro expoente da operação, Deltan Dallagnol, foi desacreditado e responde a processos. Desmantelaram a Lava Jato em São Paulo e houve uma renúncia em massa dos procuradores. Bolsonaro, que tanto prometera em sua campanha o combate total à corrupção, não revela a mesma firmeza na Presidência da República. Com um dos seus filhos envolvido nas obscuras “rachadinhas”, ele descartou essa luta, que é de todos os brasileiros, e pode ter jogado sua biografia na lata de lixo.
Os opositores da Lava Jato alegam abusos, erros de seus personagens mais conhecidos (Moro e Dallagnol), buscando até em vírgulas justificativas para desacreditá-la e empanar seu sucesso. Buscam quaisquer brechas para cancelar a operação, por decurso de prazo.
Espero que a sociedade, pelo menos em sua maioria, tenha sido contagiada pelo espírito republicano que apoia a Lava Jato. Por outro lado, tremem a ala fisiológica do Congresso, os filhos de Lula e de Bolsonaro, que podem/devem ser investigados, outros executivos de empresas envolvidas em negócios mal explicados etc.
Ao contrário desta onda de ataques à Lava Jato, a sociedade, por meio de suas instituições, precisa defender a autonomia dos integrantes do Ministério Público, a celeridade dos tribunais contra a impunidade e os crimes, a liberdade de imprensa e a transparência dos atos de todos os investidos de algum poder, o fim da passividade de importantes corporações e entidades, entre outros imperativos.
As instituições realmente democráticas precisam e devem ser fortalecidas para que possamos passar este país a limpo.
Cláudio Slaviero é empresário, ex-presidente da Associação Comercial do Paraná e autor de "A vergonha nossa de cada dia".