| Foto: Felipe Lima

José Gomes Canotilho, um jurista português bastante citado pelo STF, afirma que o Supremo brasileiro é a corte mais poderosa do mundo, muito mais que a Suprema Corte americana ou que os Tribunais Constitucionais europeus.

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Ele está correto, pois o Supremo acumula funções que a maior parte das cortes constitucionais do mundo inteiro não possui. De fato, o STF não é apenas um tribunal constitucional, que resolve sobre a constitucionalidade das leis: ele é também a última instância de recursos de todos os tipos e órgão especial de julgamento dos detentores de foro privilegiado.

Quanto aos recursos de todos os tipos, é o próprio Supremo que define aquilo que deseja julgar. Como a Constituição brasileira é um calhamaço de papel que trata de todos os temas possíveis e imagináveis, na prática o Supremo julga um tema quando quer julgá-lo, sob a justificativa de o tema estar na Constituição ou não. E, quando não esteja no texto da Constituição, agora já se afirma que ele está “no espírito” dela ou “nos valores do texto”, o que abre ampla margem à imaginação dos juízes.

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A Constituição não é mais interpretada segundo o seu significado, mas busca-se o significado do texto a partir do propósito do juiz

Funcionando como órgão especial de julgamento para detentores de foro privilegiado, o Supremo tem poder excepcional sobre os outros poderes da República. Vemos isso de forma clara na situação atual, na qual a maior parte dos parlamentares e dos membros do Executivo tem alguma conta a pagar perante o Supremo Tribunal Federal.

Poder-se-ia afirmar que o Senado tem competência para julgar o impeachment de um ministro do Supremo. Porém, no fim de 2015, foi o próprio STF a definir um rito de impeachment extremamente dificultoso para o caso de Dilma Rousseff, que demorou meses para chegar ao fim. Enquanto isso, no Supremo, pode-se determinar a prisão de um senador no exercício do mandato (caso de Delcídio Amaral) ou a suspensão do mandato de um parlamentar (caso de Eduardo Cunha) com uma canetada, em dois segundos. Então o poder do Senado consegue equiparar-se ao do Supremo? Parece evidente que não.

Ocorre que, distraídos pelas picuinhas do cotidiano e, no caso dos políticos, olhando apenas para o próprio umbigo, ameaçados que estão de serem engolidos pela Lava Jato, foi-se permitindo que o Supremo tomasse um lugar cada vez maior: ele decide sobre políticas públicas, toma o lugar do Legislativo quando entende que ele está “inerte”, suspende parlamentares ou manda prendê-los, decide quem pode ser presidente da República ou não – o caso de Renan Calheiros, em que o Supremo definiu que um réu não pode estar na linha de sucessão da Presidência, apenas deu à corte o poder de transformar em réu quem ela não queira que seja presidente, pois, no fim, Calheiros continuou na presidência do Senado –, entre tantos outros poderes extraordinários que foram sendo conferidos, dia após dia, à corte dos 11 iluminados.

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Junte-se a tudo isso a noção de “mundo melhor” da qual os juízes do Supremo estão imbuídos: um mundo progressista, de valores atualizados com as mais novas modas, guiado pelos “direitos humanos” – visão à luz da qual eles interpretam a Constituição e impõem a todos a sua concepção particular. O texto não é mais interpretado segundo o seu significado, mas busca-se o significado do texto a partir do propósito do juiz, do que ele quer.

Tem-se a impressão de que o poder total foi transferido para um órgão burocrático não eleito e impessoal, ao qual a população não pode controlar e do qual ela não pode cobrar. Mas não é apenas uma impressão: é exatamente o que acontece.

Taiguara Fernandes de Sousa é advogado, jornalista e analista político.