Chegamos ao cume da montanha de inconveniências que povoam o cenário contemporâneo da política brasileira. A CPI da Covid – instalada por voluntarismo de um ministro do Supremo Tribunal Federal e capitulação do Senado quanto às suas prerrogativas de poder constituído – teve vazado o relatório que, em sua versão original, incriminaria o presidente da República, filhos e equipe do governo. O fato provocou o adiamento da leitura da peça, supostamente para correções e/ou alterações. Queiram ou não os seus integrantes, é um desgaste para o grupo que, mais do que nunca, precisa de credibilidade para ter aceitas as suas conclusões.
Além da criação transversa e composição de maioria oposicionista, durante o seu funcionamento a CPI foi acusada de funcionar como palanque pré-eleitoral de 2022 para a eleição presidencial e a reeleição de senadores e de governadores que, convenientemente, não foram investigados apesar das denúncias de desvio dos recursos federais remetidos para o combate à pandemia. Insensíveis a milhares de brasileiros morrendo asfixiados em UTIs sucateadas e nas portas dos hospitais sem vagas, os senadores preferiram, por razões que devem ser apuradas, não investigar o que foi feito com o dinheiro nos estados e municípios e nem conhecer a corrupção largamente denunciada na compra de respiradores em lojas de vinhos e outros estabelecimentos impróprios, muitos deles pagos e não entregues. Preferiram manter o foco em “pegar” o presidente da República. Agora, como só tentaram enredar o governo federal e não atuaram sobre o objeto natural da apuração, e principalmente para salvar vidas, os nobres senadores não sabem como concluir os trabalhos.
O Senado jamais deveria ter instalado uma CPI sob o tacão do Judiciário. Se seus requerentes não reuniam os votos necessários para aprová-la, paciência. Mas, já que houve a capitulação e o órgão investigador funcionou da forma que toda a nação acompanhou e observou, é importante que as conclusões sejam firmes e incontestáveis. Jamais deixar a impressão de que o seu relatório, em vez de fatos apurados, seja mero espelho da militância oposicionista dos membros e contemple suposições. Se o presidente da República, ministros ou quaisquer outra autoridade cometeram infrações ou crimes, que paguem por isso, mas sob fatos concretos. Por mais repetitivo que isso possa parecer, ali também deveriam estar pelo menos as citações de governadores e prefeitos que desviaram criminosamente os recursos federais da Covid para com eles pagar precatórios, folha de salários do funcionalismo e outras despesas de responsabilidade do orçamento corrente de seus governos. Só isso, que potencializou a pandemia e fez o povo sofrer, justificaria a montagem de uma CPI específica para sua apuração.
Senadores preferiram, por razões que devem ser apuradas, não investigar o que foi feito com o dinheiro nos estados e municípios e nem conhecer a corrupção largamente denunciada na compra de respiradores.
Bem ou mal, a pandemia caminha para o fim. Parece, no entanto, que a CPI faz de tudo para mantê-la viva (mesmo que inativa) por mais alguns meses, o que seria inaceitável. Assembleias Legislativas estaduais e Câmaras Municipais também apuram o que fizeram governadores e prefeitos com os recursos da pandemia. No Rio de Janeiro, o governador Wilson Witzel até já foi cassado, e outros poderão ter o mesmo destino se as apurações forem a fundo. Essa é uma esperança.
Os parlamentares (senadores e também deputados) precisam voltar a decidir suas pendências pelo voto – como manda a essência legislativa – e deixar de concordar e compactuar com o engavetamento de proposituras (como os pedidos de impeachment) que, em vez de produzir efeitos, viram moedas de troca. Isso abre a oportunidade de judicialização que, a nosso ver, é inconstitucional e destruidora dos fundamentos do Estado Democrático de Direito.
Precisamos de seriedade. Todos os fatos concretamente apurados e provados pelas CPIs e outros instrumentos têm de produzir consequências. Mas o ativismo político e as suposições devem ficar fora disso. Para a nação, pouco importa se o errante é de direita, de esquerda ou de centro e o cargo que ocupa. Todos eles têm direito a apurações isentas e confiáveis, jamais operadas por reconhecidos algozes como parece ser o caso da CPI da Covid em relação ao presidente da República.
Dirceu Cardoso Gonçalves é tenente da Polícia Militar de São Paulo e dirigente da Associação de Assistência Social dos Policiais Militares de São Paulo (Aspomil).