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A CPI da Covid e o Estado Democrático de Direito

O relator da CPI da Covid, Renan Calheiros
O relator da CPI da Covid, Renan Calheiros (Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senad)

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Encerrada, com a encenação midiática que desejou o relator da CPI da Covid, a matéria foi entregue agora à Procuradoria-Geral da República, que é a titular de eventual ação pretendida por 7 dos 11 senadores da referida comissão e rejeitada por 4 deles.

Li ambos os relatórios – o exuberante e criativo elaborado pelo relator, senador Renan Calheiros; e o preciso e jurídico, de autoria do senador Eduardo Girão.

A comissão não ouviu os governadores, que foram autorizados pelo Pretório Excelso, em abril do ano passado, a combater a Covid como desejassem, numa alegada competência concorrente que se tornou principal, pois, em seus territórios, decidiram as medidas que entenderam as melhores, sem que pudesse a União opinar.

A decisão do STF não levou em consideração que o artigo 21, inciso XVIII da Lei Suprema atribui como competência exclusiva da União o planejamento e a promoção dos combates às calamidades públicas. Desta forma, os governos estaduais e os prefeitos passaram a ter competência primária para enfrentar a dramática crise de saúde e a União vicária, secundária, com o direito apenas de acolitar tais governos, fornecendo recursos.

A ausência dos depoimentos de tais autoridades, ausência esta sob o pálio de decisão proferida pela suprema corte, fez da CPI uma comissão de busca apenas de meia verdade sobre o que realmente aconteceu no combate à Covid.

O fato é que, para salvar-se uma vida, todos os médicos utilizam-se de todos os meios possíveis, principalmente quando não há nenhum remédio com eficácia comprovada.

Por outro lado, as conclusões do relatório majoritário foram de que a cloroquina não era eficaz no combate à doença, embora até hoje não haja remédio eficaz para combater a moléstia instalada. Há vacinas para evitar a doença, mas não um remédio comprovadamente eficaz para combatê-la. Foi esta razão pela qual os extraordinários brasileiros que formaram as variadas equipes de saúde usaram diversificada gama de medicamentos num país com mais de 20 milhões de casos detectados. Sempre levaram em consideração a condição do paciente. Não vejo onde se pode pretender considerar um crime sua utilização, bem como de todos os outros remédios indicados pelos médicos, sem eficácia também comprovada. O fato é que, para salvar-se uma vida, todos os médicos utilizam-se de todos os meios possíveis, principalmente quando não há nenhum remédio com eficácia comprovada.

Outro aspecto curioso do relatório majoritário é a alegação de que o presidente da República teria cometido um “crime contra a humanidade”, pois o número de mortos no Brasil foi elevado e ele fora omisso. O Tribunal Penal Internacional só considera haver crime contra a humanidade quando há dolo, ou seja, a deliberada vontade de matar. Nem mesmo o relator Renan Calheiros, creio eu, poderia afirmar que a intenção do presidente Bolsonaro foi assassinar o maior número possível de brasileiros durante o processo. Parece-me, como diria Mark Twain, “um pouco exagerada” a afirmação do senador. A frase atribuída ao escritor ocorreu quando leu a notícia de sua morte, considerando-a “um pouco exagerada”.

Há de se lembrar, ainda, que países europeus altamente desenvolvidos tiveram um número de mortos por 100 mil habitantes mais elevado que o Brasil, assim como o Brasil está entre os países que mais vacinaram a população.

A pedido do senador Fernando Bezerra, os professores Adilson Dallari, titular de Direito Administrativo da PUC-SP; Dirceu Torrecillas, livre docente da USP em Direito Constitucional; Samantha Pflug, titular da Uninove em Direito Constitucional; e eu mesmo, que fui titular de Constitucional da Universidade Mackenzie e sou professor emérito da instituição, elaboramos parecer de 70 páginas entregue à CPI pelo líder do governo naquela casa, mostrando do ponto de vista exclusivamente jurídico a inexistência de qualquer crime tipificado no direito vigente, muito embora, nos últimos tempos, o denominado consequencialismo jurídico tenha levado a Corte Maior a se tornar legisladora positiva, em algumas matérias. Com respeito aos eminentes magistrados, ainda pertenço à velha escola de poderes autônomos e independentes, na qual o Poder Judiciário é apenas um legislador negativo.

O parecer foi ignorado pela comissão, assim como pela mídia, não interessada em mostrar os pontos jurídicos frágeis do relatório da corrente vitoriosa na CPI da Covid.

Parece-me que agora a Procuradoria-Geral da República examinará, juridicamente, cabendo-lhe verificar, com espírito de juristas e não de políticos em campanha, se haveria ou não base para qualquer tipo de ação penal ou civil contra os acusados pelos senadores. Vamos aguardar.

Ives Gandra da Silva Martins é professor emérito das universidades Mackenzie, Unip, Unifieo, UniFMU, do Ciee/O Estado de S.Paulo, das Escolas de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme), Superior de Guerra (ESG) e da Magistratura do Tribunal Regional Federal – 1.ª Região, presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomércio-SP e ex-presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp).

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