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Reunião da CPI da Covid
Senadores da CPI da Covid decidiram chamar governadores de estados onde a Polícia Federal realizou operações contra desvios na pandemia.| Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senad

A regra constitucional é de alva clareza ao determinar que as comissões parlamentares de inquérito “terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais” (artigo 58, §3.º), tendo sido previamente assegurada a lato competência para “solicitar depoimento de qualquer autoridade ou cidadão” (artigo 58, §2.°, V). Explicitando a normatividade vigente, a Lei 1.579/1952 dispôs que a CPI, no exercício de suas atribuições, poderá “tomar o depoimento de quaisquer autoridades federais, estaduais ou municipais” (artigo 2.º).  Logo, na fria análise da lei, haveria a possibilidade, em tese, de lícita convocação de governadores para o esclarecimento de elementos fáticos ou probatórios necessários ao bom trabalho parlamentar.

Todavia, tal prerrogativa política não é ilimitada, devendo ser exercida com prudência e absoluto rigor jurídico. De pronto, cumpre esclarecer que a subversão da CPI em palco para interesses subjetivos de empreitada desnatura o caráter constitucional do instituto investigatório, atentando, assim, contra a dignidade da Lei Maior da República e contra a própria autoridade do parlamento. Adicionalmente, eventual convocação de autoridades federativas deve estar intimamente relacionada ao “fato determinado” que ensejou a criação da respectiva comissão. Ou seja, a CPI não pode ser usada para devassas investigatórias arbitrárias, a partir de critérios decisórios elásticos ou despidos de fundamentação suficiente, em completo menoscabo ao devido processo legal.

Em precedente paradigmático, a inteligência superior do ministro Paulo Brossard bem analisou os limites investigatórios de comissões parlamentares de inquérito: “podem ser objeto de investigação todos os assuntos que estejam na competência legislativa ou fiscalizatória do Congresso. Se os poderes da comissão parlamentar de inquérito são dimensionados pelos poderes da entidade matriz, os poderes desta delimitam a competência da comissão. Ela não terá poderes maiores que os de sua matriz. De outro lado, o poder da comissão parlamentar de inquérito é coextensivo ao da Câmara dos Deputados, do Senado Federal o do Congresso Nacional. São amplos os poderes da comissão parlamentar de inquérito, pois são necessários e úteis para o cabal desempenho de suas atribuições. Contudo, não são ilimitados. Toda autoridade, seja ela qual for, está sujeita à Constituição”.

Indo adiante, o notável jurista gaúcho fez questão de realçar que “a comissão parlamentar de inquérito não tem poderes universais, mas limitados a fatos determinados, o que não quer dizer não possa haver tantas comissões quantas as necessárias para realizar as investigações recomendáveis, e que outros fatos, inicialmente imprevistos, não possam ser aditados aos objetivos da comissão de inquérito, já em ação” (Plenário do STF, 7 de abril de 1994).

Analisando o calor dinâmico dos trabalhos congressuais, o eminente ministro Sepúlveda Pertence fez questão de realçar que “à atividade instrutória da CPI é inerente o poder coercitivo necessário a vencer as resistências opostas à colheita das provas – authority to send for persons and papers –, afora a contingência de sujeitar a reputação de pessoas e instituições ao estrépito da suspeita, quando não do escárnio público: donde serem os inquéritos parlamentares uma fonte inevitável de tensões frequentes entre a autoridade do órgão investigatório e os direitos do mundo exterior ao parlamento” (Plenário do STF, 6 de abril de 1994).

As passagens decisórias acima transcritas demonstram que o Congresso Nacional, por seus membros e comissões competentes, pode muito, mas não pode tudo. Há limites cogentes, escorados em regras constitucionais inegociáveis. Sabidamente, os juízos políticos de oportunidade e cabimento não traduzem um cheque em branco em favor de critérios arbitrários. O fato determinado e o respectivo ato de criação da CPI fincam balizas fático-jurídicas intransponíveis que, excepcionalmente, autorizam permeabilidades pontuais para averiguações de circunstâncias imprevisíveis ou desconhecidas quando do início dos trabalhos parlamentares. Todavia, tais aditamentos singulares devem ser feitos com moderação, evitando-se que o extravagante alargamento investigatório se transforme em fonte de morosidade ou discussões intermináveis, prejudicando a celeridade, utilidade e própria efetividade do inquérito político.

Por fim, há, ainda, de se observar o equilíbrio federativo republicano, não podendo a CPI ser usada como instrumento de subjugação ou temor federal a estados ou municípios. Sobre o ponto, o eminente ministro Marco Aurélio, em precedente monocrático, já afirmou que “a interpretação sistemática do Texto Maior conduz a afastar-se a possibilidade de comissão parlamentar de inquérito, atuando com os poderes inerentes aos órgãos do Judiciário, vir a convocar, quer como testemunha, quer como investigado, governador. Os estados, formando a união indissolúvel referida no artigo 1.º da Constituição Federal, gozam de autonomia e esta apenas é flexibilizada mediante preceito da própria Carta de 1988”.

Sim, a jurisprudência do Supremo não é copiosa, até mesmo porque a convocação de governadores, para fins investigatórios, não é medida usual. Todavia, em época de graves desarranjos institucionais, sempre é tempo de exaltar o equilíbrio constitucional como alta instância de contenção de abusos e ilegalidades vis. Por tudo, investigar é válido, mas perseguir politicamente é inconstitucional.

Sebastião Ventura Pereira da Paixão Jr. é advogado e conselheiro do Instituto Millenium.

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