Em 1696, os britânicos encontraram uma maneira criativa de um novo imposto e começaram a taxar as janelas. Isso mesmo: quanto mais janelas uma casa tivesse, mais impostos o dono do imóvel tinha de pagar. A lógica era que as propriedades dos ricos tinham mais janelas e, então, a quantidade serviria de base de cálculo para o imposto.
O que aconteceu com o passar do tempo? O imposto levou as pessoas a construírem casas com cada vez menos janelas; até as mansões eram pensadas para se pagar menos o tal imposto. Até hoje, em algumas casas antigas britânicas, podem ser vistos espaços de janelas fechadas com tijolos e casarões da época com poucas janelas.
Esse novo imposto causou também um grande problema de saúde pública, causado pela falta de ventilação nas casas, o que levou à extinção do imposto em 1851, mais de 150 anos depois de sua criação.
Comparo a CPMF, muitas vezes trazida à tona pelo atual governo, com o imposto da janela. Já de imediato, a analogia faz sentido pela tentação do aumento de carga tributária, o que nos remete a um ambiente medieval, daquele rei que, quando vê necessidade, manda criar mais um imposto. A criação de uma nova CPMF faz crer em uma preguiça do governo em pensar uma reforma tributária ampla, eficiente, formada por um grupo de especialistas no assunto e discutida amplamente com a sociedade. Isso dá trabalho. A janela também era simples e rápida, sem trabalho intelectual.
A CPMF é um imposto regressivo e distorcido, e que onera ainda mais a base da pirâmide. Os ricos tinham condições de esconder suas janelas e pensar em alternativas de diminuir a base de cálculo. Os pobres não. Na CPMF ocorre da mesma forma.
A CPMF também é sobretaxa em cima dos impostos sobre o consumo, um caráter cumulativo, prejudicando o giro da economia. O imposto da janela era sobretaxa dos imóveis, pois, na época, já existia um imposto sobre a propriedade.
A proposta que vemos tem aumento de carga no sistema financeiro e esse aumento rigorosamente provoca aumento do custo do dinheiro. A maneira de fugir da base de cálculo seria ter dinheiro em papel circulando cada vez mais, indo de encontro a qualquer modernidade tributária ou tecnológica. As pessoas “construiriam menos janelas” e procurariam pagar as contas cada vez mais em dinheiro. A CPMF criaria um incentivo para que as pessoas sacassem da conta corrente e andassem com dinheiro no bolso, isso nos tempos atuais! Até a segurança do sistema muda, assim como a janela mudou a questão da saúde.
A neutralidade tributária – ou seja, a ideia de que um imposto deve interferir o mínimo possível nas decisões dos agentes econômicos – é quebrada com a CPMF. Lembrem-se no nosso exemplo: a tributação das janelas interferiu na construção das casas e na saúde pública.
Vale citar que nenhum país desenvolvido no mundo usa esse tipo de contribuição. Ele é visto mais como um retrocesso que como avanço na questão tributária. Olhem aí mais um comparativo: nenhum outro reinado ou império importante da época criou algo parecido ao imposto das janelas nos 150 anos em que ele vigorou no Reino Unido.
Até
o argumento mais favorável do governo, o de que a CPMF tem potencial
arrecadatório razoável com baixo custo administrativo, uma solução
rápida e de fácil fiscalização, pode ser comparado com o antigo
imposto britânico. Ele também era fácil de se calcular e a
fiscalização poderia passar de casa em casa para checar a sua
arrecadação. Simples e rápido. Por fim, a CPMF cria um poder
rápido e seguro do Fisco na estatística das transações
financeiras, assim como os britânicos na época queriam ter em mãos
um inventário mais preciso de sua principal arrecadação, a
propriedade.
Nosso
sistema tributário é da década de 1960, defasado, distorcido e
antiquado. Precisa ser alterado e pensado com eficiência e
modernidade, e não com um viés de 300 anos atrás.
Daniel Calderon é contador, advogado e empresário da área contábil e tributária.
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