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Em meio à pandemia, que tira a vida de muitos brasileiros e brasileiras, traz dor às famílias, incertezas e dificuldades na economia, desemprego e fechamento de empresas, a Câmara dos Deputados anuncia que apreciará projeto de iniciativa do presidente do Superior Tribunal de Justiça, para criação de um novo tribunal em seu estado natal.
Seria o Tribunal Regional Federal de Minas Gerais, um tribunal que, pela proposta legislativa terá 18 desembargadores, 1071 técnicos judiciários e 821 analistas judiciários. O apelo da proposta enviada pelo STJ está no argumento de que boa parte desses cargos adviria da transformação de cargos já existentes. Mesmo assim, está previsto o preenchimento de 145 cargos que, hoje, estão vagos e a criação de 118 novos cargos.
Além disso, obviamente ainda há os gastos com a estrutura física do novo tribunal. O estado de Minas Gerais, atualmente, está vinculado ao Tribunal Regional Federal da 1.ª Região, com sede em Brasília, um tribunal que tem a maior abrangência geográfica, contemplando a maior parte da região Centro-Oeste, parte da região Sudeste e a Região Norte e que possui uma elevada carga de trabalho. Do ponto de vista numérico e da distribuição de serviços a instalação de um novo tribunal poderia ser justificável, porém o primeiro ponto que chama a atenção de toda a população é o momento dessa criação.
O recado que os governantes mandam com essa iniciativa é péssimo, porque, evidentemente, por mais que haja a justificativa no projeto de lei que ocorrerá a extinção de varas que e a conversão de cargos que estavam previstos e não foram preenchidos em 1.º Grau, para cargos de 2.º Grau, é claro que isso tudo trará novas despesas para o Poder Público e essas despesas terão que ser suportadas pela população, por meio de impostos.
Há um contrassenso quando se fala em criar um novo tribunal e ao mesmo tempo em reforma tributária e se espera uma reforma administrativa, que ainda não chegou ao Congresso, para análise sobre redução de gastos na administração pública.
Não fosse isso já suficiente, deve ser lembrado que esse mesmo tribunal já foi debatido e deliberado pelo Congresso Nacional, em 2013, quando foi aprovada a Emenda Constitucional 73, que previu a criação dos Tribunais Regionais Federais de Minas Gerais, Paraná, Amazonas e Bahia. Portanto, é também um contrassenso votar algo que já foi votado no Congresso, e por emenda constitucional. Essa emenda é alvo de um pedido de ação direta de inconstitucionalidade (ADI 5017) apresentado ao STF em julho de 2013, o qual obteve medida liminar do então presidente Min. Joaquim Barbosa, em regime de plantão, e que até hoje não teve solução, apesar de transcorridos sete anos.
Se o Congresso já deliberou, não pode deliberar novamente e é urgente que o STF defina a ação que bloqueia a emenda constitucional anterior. O Brasil precisa ser sério. Votar um novo tribunal, com aumento de gastos, em meio à maior crise sanitária e econômica do País, votar um projeto que já foi votado no próprio Congresso, através de emenda constitucional, e que aguarda pronunciamento do STF há sete anos, sobre sua constitucionalidade, realmente não é nada sério, é um acinte ao povo brasileiro, aos demais estados da federação que aguardam a decisão do STF e uma demonstração sobre como o poder público, cada vez mais, se afasta dos anseios populares.
Espera-se bom senso dos parlamentares nessa votação, para que não seja cometido mais um ato de distanciamento do que quer e o que precisa o povo brasileiro.
Cássio Telles é presidente da OAB Paraná.